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Azeredos e Coutinhos, “Grinaldas” e Maldonados

A família Azeredo Coutinho está nas origens da colonização brasileira. Estudiosos da genealogia europeia traçam ancestralidades desta família até aos primórdios da era cristã. No Brasil, pelo lado Coutinho e Mello, as origens estão com Vasco Fernandes Coutinho e Mello, “o Velho” (1488-1561), fidalgo real que fora alcaide-mor de Ormuz (1507-1508 e 1515-1516) e que recebera em 1524 a tenência de Alenquer; tornou-se, por fim, o primeiro donatário da Capitania do Espírito Santo. Militar, explorador, conquistador e governante colonial, Vasco Coutinho fundou a Vila do Espírito Santo (atual Vila Velha) em 1535 e Armas do Conde de MarialvaNossa Senhora da Vitória (atual Vitória) em 1551.

Vasco Fernandes Coutinho era filho de Jorge de Mello, dos alcaides-mores de Serpa, no Alentejo português. Jorge de Mello fora Copeiro-mor do rei Afonso V desde 3 de março de 1479, senhor de Pavia (Mora) desde 21 de julho do mesmo ano, e recebera a doação real da fortaleza de Mazagão (atual cidade marroquina de El Jadida) em 1505. Faleceu ali em 1514 combatendo os muçulmanos do Sultanato Oatácida do reino de Fez, em defesa das obras do castelo. Pela parte materna, Vasco Fernandes Coutinho descendia dos senhores do Couto de Leomil, que reconstruíram o Castelo de Penedono e estabeleceram ali residência – e dos quais descendiam os Condes de Marialva. Dentre outros ancestrais de Vasco Fernandes Coutinho estavam o rei Afonso III de Portugal e sua concubina moçárabe, Madragana Bat Aloandro. Esta, da cidade do Faro e integrante da Casa do Reino Muçulmano do Algarve (Algarbe Alandalus), que, tendo sido batizada, recebeu o nome cristão de Mor Afonso (Maior Afonso).

Maria Coutinho de Mello, geralmente referida como filha do primeiro donatário, porém mais precisamente uma neta, por volta de 1589 casou-se com Marcos de Azeredo, “o Velho” (1559-1618), Cavaleiro da Ordem de Cristo. Este, nascido em Guimarães, Portugal, filho de Francisco Lancerote de Azeredo e Isabel Dias Sodré, fidalgos de Guimarães. O avô paterno de Marcos foi João Álvares de Azeredo, que alguns indicam ter sido o capitão de Tânger, inclusive nas batalhas com os mouros. Um tio paterno de Marcos, Belchior de Azeredo, capitão-mor da Capitania do Espírito Santo, comandou a defesa da vila de Vitória contra diversas tentativas de invasão francesa e contra os numerosos ataques dos índios. Belchior era “homem muito nobre e considerado”, e o prestígio da família Azeredo na Capitania do Espírito Santo se deve em grande parte à destacada atuação de Belchior na luta contra os franceses e em sua expulsão do Rio de Janeiro. Em 14 de julho de 1566, Estácio de Sá passou certidão de fé relatando a importante atuação de Belchior, com “valor, intrepidez, acerto e bom senso” na luta contra os franceses e seus aliados tamoios.

Alguns identificam as origens deste ramo da família no lugar de Azeredo (Aceredo, na língua galega), província de Ourense, na Galiza, tendo passado a Portugal na pessoa de Vasco Rodrigues de Azeredo que viveu em Guimarães ao tempo dos reis D. Afonso V (1432-1481) e D. João II (1455-1495). (Cf. Trigueiro, 2019). Alguns genealogistas também traçam a ancestralidade dos Azeredos até D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, por meio de sua filha Urraca Afonso, rainha consorte de Fernando II de Leão, e também por Teresa Afonso; os Azeredos também descenderiam desta última com Martim Moniz de Ribadouro.

No Brasil, o bandeirante Marcos de Azeredo protagonizou a célebre entrada ao sertão, descobrindo, às margens de uma “Lagoa de Vapabuçu”, numa apelidada “Serra Resplandecente” (região da Serra do Espinhaço, Minas Gerais), as lendárias “pedras verdes”, que se acreditava poderiam ser esmeraldas, e que, porém, posteriormente foram identificadas apenas como turmalinas. Tal versão, entretanto, hoje não é unânime entre historiadores. Com a descoberta, no século vinte, de esmeraldas naquela região em Minas Gerais, alguns autores consideram que seriam estas as esmeraldas encontradas por Marcos de Azeredo, e não as turmalinas encontradas depois por Fernão Dias, quando tentou reencontrar as mesmas esmeraldas. Marcos de Azeredo também foi submetido ao Tribunal do Santo Ofício na cidade de Salvador, tendo recebido a favorável intervenção do jesuíta José de Ancheita – conforme relato que o próprio Anchieta fez constar em sua correspondência.

Segundo o genealogista Pedro Taques (1714-1777), Marcos de Azeredo e Maria Coutinho de Mello teriam se mudado para o Rio de Janeiro, onde foram os primeiros desses sobrenomes. Porém, a informação de que Marcos de Azeredo mudou-se para o Rio de Janeiro com sua família carece de bom lastro documental. Ademais, sabe-se que o tio de Marcos, o capitão-mor Belchior de Azeredo, recebera sesmarias na capitania fluminense ainda em 1574/5, pois fora expedicionário nas guerras luso-brasileiras na Guanabara

Um dos filhos do casal Marcos de Azeredo e Maria Coutinho de Mello foi o também sertanista Domingos de Azeredo Coutinho e Mello (1596-1664), nascido ainda em Vila Velha, e que casou na igreja do Santíssimo Sacramento (antiga sé), na cidade do Rio de Janeiro, no domingo 13 de janeiro de 1619, “pelas cinco horas da tarde”.

Registro Eclesiástico de Casamento de Domingos de Azeredo Coutinho e Melo e Ana Tenreiro da Cunha, em 13 de janeiro de 1619.

Casado com Ana Tenreiro da Cunha (1600-1657), Domingos de Azeredo Coutinho e Mello teve doze filhos, dentre os quais Marcos Tenreiro de Azeredo Coutinho e Mello (1619-1680). Este deu sequência à saga da busca das esmeraldas empreendida por seu avô e seu pai. Ao lado de seu pai, chegou com sua expedição, por fim, à região mineira das esmeraldas. As pedras que colheram e enviaram ao rei de Portugal provocaram grande rebuliço, pois no meio delas estaria o primeiro diamante encontrado no Brasil. Ainda dentre os doze filhos de Domingos de Azeredo Coutinho e Mello e Ana Tenreiro da Cunha, cabe-me destacar, para os nossos propósitos aqui, duas filhas: Isabel Tenreiro da Cunha (1627-1702) e Joana Coutinho da Cunha (1641-1665), as quais receberam, ambas, nomes de tias paternas. Dentre os descendentes da primeira senhora, alguns, e majoritariamente varões, receberam o apelido “Maldonado”; dentre as descendentes da segunda senhora, algumas mulheres receberam o apelido “Grinalda” – o qual foi verificado, embora em menor número, também em outros troncos da família Azeredo Coutinho.

AS “GRINALDAS”

A primeira “Grinalda” no Brasil foi D. Luíza Grinalda (1541-1626), cujo nome foi, por vezes, grafado como “Luzia”, a primeira mulher a ocupar um cargo senhorial e de governo no Brasil. Foi ela a viúva do Capitão Vasco Fernandes Coutinho e Mello, “o Moço” 1530-1589), o qual herdou a capitania estabelecida por seu pai. Ao falecer Vasco Coutinho Filho, não tendo descendente legitimado, a viúva tornou-se a primeira donatária da capitania, entre 1589 a 1593, quando teve início a disputa judicial pelo cargo, pleiteado por Francisco de Aguiar Coutinho, parente de Vasco Fernandes Coutinho Filho. Francisco de Aguiar Coutinho, não obstante, somente assumirá a capitania em 1620. No interregno, governou interinamente a província, o Capitão-mor Miguel Antônio de Azeredo, que era cunhado de Luíza, por ser casado com sua meia-irmã, como também irmão do Capitão Marcos de Azeredo, “o Velho” (1559-1618).

Na historiografia nacional, durante algum tempo prevaleceu alguma polêmica acerca do sobrenome “Grinalda”. As pesquisas históricas e genealógicas, por fim, estabeleceram o consenso, especialmente entre os historiadores europeus. Tratava-se, em rigor, de Luísa Grimaldi Correia, representante legítima da casa de Grimaldi. Luísa Grimaldi era uma fidalga real portuguesa e uma nobre do ramo dos barões de Beuil da Casa de Grimaldi – mesma família da dinastia Grimaldi de Mônaco, e parenta de Honorato I (1522-1581), que foi senhor de Mônaco. O sobrenome Grimaldi é italiano, e encontra evidência documental em Gênova no século doze.

Entre os muitos fatos notórios do curto governo de Luísa Grimaldi na capitania do Espírito Santo está a doação que fez aos franciscanos, em 1591, do outeiro da Penha em Vila Velha e o de São Francisco em Vitória, por escritura confirmada por decreto de 7 de março do ano seguinte. Esta é a escritura do terreno onde se encontra o Convento da Penha, um dos ícones de Vila Velha e do Espírito Santo.

Após ser destituída, Luísa Grimaldi retornou a Portugal, estabelecendo-se em Évora, no Alentejo, terra do marido. Ali recolheu-se no convento de Nossa Senhora do Paraíso, adotando no claustro o nome de “Sóror Luiza das Chagas”. Segundo documentação histórica, ela ainda vivia no ano de 1626, quando prestou depoimento no processo de beatificação do Padre José de Anchieta – com quem convivera ainda no Espírito Santo, tanto cooperando com ele na catequese quanto pela época do falecimento do marido, e de quem recebera assistência espiritual. Luísa Grimaldi faleceu naquele convento das dominicanas logo depois, com cerca de oitenta e cinco anos.

O apelido “Grinalda”, exclusivamente feminino nas origens, trata-se, pois, de corruptela em Portugal do italiano Grimaldi, e continuou a ser repassado a mulheres descendentes de três filhos (posteriormente quatro) do casal Domingos de Azeredo Coutinho e Mello e Ana Tenreiro da Cunha, em cuja linhagem o prenome Luísa, de igual maneira, tornou-se bastante proeminente. Entre as tais, uma das mais antigas foi Luísa Grinalda Coutinho (1665-1714), uma das filhas de Marcos Tenreiro de Azeredo Coutinho e Mello (1619-1680).

Na linhagem específica de Joana Coutinho da Cunha (1641-1665), irmã de Marcos, o apelido teve a absoluta proeminência, e exclusivamente na descendência de sua nora Beatriz (“Brites”) Rangel de Macedo. E desta forma, geograficamente, o apelido foi, de longe, mais disseminado a partir da região açucareira no leste da Baía de Guanabara, com destaque para a freguesia de São Gonçalo, e particularmente com origem no casal Azeredo Coutinho e Rangel de Macedo, do Engenho em Guaxindiba, localizado no troço do rio de igual nome, na freguesia de São Gonçalo. Ali, uma das mais remotas mulheres com o mencionado apelido foi Luíza Josefa Grinalda, nascida aproximadamente em 1701, em São Barnabé – atual Vila Nova de Itambi, terceiro distrito do município de Itaboraí, Rio de Janeiro. Luíza Josefa Grinalda, descendente dos senhores do Engenho em Guaxindiba (São Gonçalo), casou-se com Antônio Dias Delgado, Cavaleiro da Ordem de Cristo e tesoureiro da Casa da Moeda do Rio de Janeiro. O casamento foi celebrado na residência do contraente, à noite do domingo 7 de janeiro de 1725, e registrado na igreja de Nossa Senhora da Candelária, no Rio de Janeiro. Viúvo, Antônio Dias Delgado era português, natural e batizado na freguesia de Santiago de Sesimbra, na margem sul do Tejo, e à época pertencente a Lisboa. Ele se tornará Mestre de Campo e também senhor do referido engenho.

Uma neta de Antônio Dias Delgado e Luíza Josefa Grinalda, nascida em São Gonçalo e batizada naquela freguesia no oratório dos avós paternos na quarta-feira 9 de abril de 1755, foi Isabel Luísa de Azeredo Coutinho. O nome composto remete para duas de suas mais antigas ancestrais, e para dois nomes femininos comuns entre os Azeredo Coutinho. Eventualmente foi chamada “Isabel Josefa”, este último por conta do nome de sua avó, e o composto resulta dos nomes de duas tias maternas de seu pai. Foi, porém, comumente referida como Isabel Luísa Grinalda. Seu pai era o (futuro) capitão Antônio Dias Delgado de Carvalho, natural da mesma freguesia, e que se tornou senhor do Engenho em Guaxindiba; o avô materno era o alferes Ignácio Coelho de Brito, natural da vizinha freguesia de São João Batista de Itaboraí.

Família Azeredo Coutinho: cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro

OS MALDONADOS

No segundo tronco de nosso imediato interesse aqui, a partir do casamento de Isabel Tenreiro da Cunha (1627-1702) com Luiz Cabral de Távora Neto (1618-1689), o sobrenome Maldonado ingressou na linhagem. Tratava-se do sobrenome da mãe dele, uma das filhas de Miguel Arias Maldonado com Maria de Medeiros. Miguel Arias Maldonado casara-se com Maria de Medeiros na capitania de São Vicente, sendo ela filha de Amador de Medeiros, dono da sesmaria de Santo André da Borda do Campo, em São Paulo, terras que correspondem a atual região do Grande ABC. Expedicionário no combate fluminense contra os franceses, Amador de Medeiros recebera sesmaria no leste da Baía de Guanabara, com destaque para o (atual) município de São Gonçalo.

Miguel Arias Maldonado (1567-1650) nasceu em Telde, na atual província de Las Palmas, no arquipélago das Canárias, onde foi batizado em 2 de junho de 1567. A ancestralidade dele nas Canárias e na Península ibérica é documentalmente muitíssimo remota. Tendo emigrado para o Brasil no período da União Ibérica, Miguel Arias Maldonado instalou-se na Capitania de São Vicente em 1593, obteve sesmaria na baía de Angra dos Reis, na região de Parati, e, por fim, estabeleceu-se na capitania do Rio de Janeiro em 1613. Ali possuía engenhos de açúcar nos lugares atualmente na Ilha do Governador e na Tijuca, foi vereador, realizou expedições e obteve outras sesmarias. Dentre estas, teve ele, bem como dois de seus genros, sesmaria em São Gonçalo, recebida de seu primeiro sogro. Diz-se que foi grande adversário dos jesuítas, devido a oposição que estes faziam à escravidão dos índios – e que a oposição era recíproca.

Miguel Maldonado foi um dos primeiros colonizadores da região norte fluminense, cujas terras oficialmente recebeu em 1627. De 1632 a 1634, liderou, com seu segundo sogro, as conhecidas expedições dos Sete Capitães que exploraram a sesmaria recebida no norte fluminense. Estas explorações e os vários topônimos que batizaram foram descritos no relato que ele escreveu, atualmente conhecido como “Roteiro dos Sete Capitães”. Maldonado colonizou amplamente a região entre os atuais municípios de Quissamã e Campos dos Goytacazes – integrando uma vasta região denominada “Paraíba do Sul”.

Em 24 de abril de 1637, Miguel “Aires” Maldonado, como se tornou conhecido, doou ao Mosteiro de São Bento a sesmaria que herdou de Amador de Medeiros, pai de sua primeira mulher. Os monges beneditinos criariam duas fazendas na região, a saber, a fazenda São Bernardo e a fazenda São Caetano, que dariam origem às atuais cidades da região do ABC. Maldonado prestou diversos serviços à Coroa portuguesa, ininterruptamente, entre 1580 a 1640, o que fez com que o rei de Portugal o agraciasse com o hábito da Ordem de Avis em 12 de janeiro de 1646. Faleceu quando exercia o cargo de provedor da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (função que exerceu mais de um vez) em 18 de maio de 1650, conforme registro de óbito. Deixou casas na cidade do Rio de Janeiro, algumas das quais doadas aos frades da Ordem do Carmo.

Na linhagem específica da família Azeredo Coutinho, o apelido Maldonado marcou diversas pessoas, e, a certa altura, especialmente indivíduos do sexo masculino. Cabe destacar aqui, por fim, o Tenente Antônio de Azeredo Coutinho Maldonado, batizado em 30 de outubro de 1732 na igreja de Nossa Senhora da Candelária, Rio de Janeiro. Pela via patrilinear, descendia ele, em rigor, dos Cabral de Távora; seu quarto avô fora Luiz Cabral de Távora, Ouvidor e Mamposteiro-Mor do Rio de Janeiro em 1608, e também provedor da Fazenda Real e juiz de órfãos. O Tenente Antônio de Azeredo Coutinho Maldonado tornou-se proprietário da Fazenda Cabuçu, herdada de seus pais, e senhor do engenho na mesma fazenda (eventualmente chamado de Engenho em “Tapacurá”, local que será finalmente referenciado como Itapacorá, no atual município de Itaboraí). Pelo menos dois de seus irmãos foram sentenciados pelo Tribunal do Santo Ofício (Inquisição): Miguel Aires Maldonado e Luís Cabral Maldonado (referido geralmente como Luiz Cabral de Távora). Este último, conforme a sentença do Auto de Fé de 20 de setembro de 1761, teve, entre suas penas, “cinco anos de degredo na praça de Mazagão”.

Linhagens específicas na família Azeredo Coutinho

Na década de 1760, o tenente Antônio de Azeredo Coutinho Maldonado casou-se com sua parenta Isabel Luísa de Azeredo Coutinho, conhecida como Isabel Luísa Grinalda. Em sua propriedade, referenciada pelo rio Cabuçu, no antigo e imenso município de Santo Antônio de Sá, com sede no (atual) município de Itaboraí, o casal deu aos filhos (dos que se tem conhecimento) nomes comuns entre seus ancestrais.

ENTRE CANTAGALO E ITAOCARA: “AS TRÊS MÃES DO SERTÃO”

1. Uma filha do casal Antônio de Azeredo Maldonado e Isabel Luísa Grinalda foi Rosa Luísa de Azeredo Maldonado, conhecida como Rosa Luísa Grinalda. Esta se casou com Francisco de Paula Resende, filho do capitão Pedro Pacheco Resende e Ricarda Cordeiro do Amor Divino (sobrenome por vezes grafado, em corruptela, como “Cordeira” ou “Caldeira”), e conhecida amplamente como “Dona Ricarda”; esta, irmã do capitão Joaquim Cordeiro de Oliveira, oficial em Maricá.

Francisco de Paula Resende descendia da família Pacheco Resende, cujas origens brasileiras estavam no Engenho dos Pachecos, próximo à Serra do Lagarto, no atual distrito de Pachecos, o oitavo do município de Itaboraí, o qual, por sua vez, limita-se com o município de Maricá. O pai de Francisco de Paula, Pedro Pacheco Resende (1742-1806), foi capitão da Segunda Companhia do Regimento de Infantaria dos Terços Auxilares da Vila de Santo Antônio de Sá. Ele faleceu viúvo de “Dona Ricarda” em 15 de junho de 1806, com testamento registrado na freguesia de Maricá em 24 de março do mesmo ano; estava enfermo quando assinou o testamento. Pedro Pacheco Resende e Ricarda Cordeiro do Amor Divino deixaram seis filhos, sendo dois homens e quatro mulheres. Por ocasião do falecimento do “Capitão Pedro”, uma filha era viúva, outra casada, e os quatro demais filhos eram ainda solteiros, incluindo-se, pois, Francisco de Paula.

Gráfico: Linhagem da família Pachedo Resende, entre Itaboraí e Maricá, RJ

Francisco de Paula Resende e Rosa Luísa Grinalda eram naturais de Itaboraí, na ampla região denominada “Serra Abaixo”, e tiveram os primeiros filhos na freguesia de Nossa Senhora do Amparo de Maricá. Sabe-se, seguramente, que o casal veio integrar o núcleo de famílias pioneiras do ciclo cafeeiro entre o centro-norte e o noroeste fluminense. No início do século dezenove, a freguesia do Santíssimo Sacramento, no arraial de São Pedro de Cantagalo, era a única freguesia existente na vasta região entre as nascentes do Rio Macacu e o território do atual município de Campos dos Goytacazes. No século dezoito, em 1786, fora erguida em Cantagalo a Capela das Novas Minas dos Sertões de Macacu. Em 1806 foi criada a paróquia ou freguesia do Santíssimo Sacramento (a construção da atual matriz terá início apenas em 1876). Enquanto a freguesia do Santíssimo Sacramento, em Cantagalo, era a única da região, os batismos dos filhos de Francisco de Paula Resende e Rosa Luísa Grinalda foram registrados ali, conquanto realizados por Frei Serafim Maria, capuchinho italiano, que era capelão em Santa Rita do Rio Negro. Como exemplo, transcrevo na íntegra o registro de batismo de um desses filhos, com atualização ortográfica:

Aos trinta de setembro de mil oitocentos e trinta e quatro recebi do Reverendo Frei Serafim, Capuchinho Italiano Capelão de Santa Rita, uma certidão do teor seguinte: “No dia vinte de Agosto de mil oitocentos e trinta e quatro, de Licença do Reverendo Pároco, batizei e pus os Santos Óleos ao inocente Francelino, nascido no dia dez de Junho do corrente ano, filho legítimo de Francisco de Paula Resende e de Rosa Luíza Grinalda, neto pela parte paterna de Pedro Pacheco Resende e de Ricarda Maria do Amor Divino, e pela materna de Antônio de Azeredo Maldonado e de Isabel Luísa Grinalda. Foram padrinhos Joaquim Gomes dos Reis e Ricarda Cordeiro de Resende, o que tudo passa na verdade e sendo necessário juro in sacris. Frei Serafim Capuchinho Italiano Capelão de Santa Rita.” E não se continha mais na dita certidão que fielmente aqui transcrevi. E para constar, fiz este Termo hoje era ut supra. O Vigário Encomendado Antônio José da Cunha Telles.

Os padrinhos do referido pedobatismo católico constam de nossa história familiar; a madrinha era a irmã mais velha do batizando, e estava às vésperas do casamento, conforme veremos a seguir… Dentre os filhos de Francisco de Paula Resende e Rosa Luísa Grinalda, que passaram pelo mesmíssimo processo, está Paula Auta de Grinalda – única filha que se tornou conhecida pelo referido apelido. Esta, nascida em 6 de setembro de 1836, tendo sido igualmente batizada pelo mesmo religioso capuchinho em Santa Rita, e com registro na igreja paroquial em Cantagalo em 21 de outubro de 1837. Paula Auta de Grinalda se casará na matriz de São José de Leonissa (futura Itaocara), em 11 de setembro de 1853, com Luís José Vial… Com a criação da freguesia de São José de Leonissa, os ofícios religiosos da família serão ali celebrados. Entre alguns descendentes, o sobrenome Azeredo sofrerá variação para “Azevedo”. Pelo menos um dos filhos receberá o apelido “Maldonado”, a saber, Antônio de Azeredo Maldonado, que se casou na matriz de São José de Leonissa, Itaocara, em 19 de junho de 1851, e ali falecido em 2 de março de 1901. Outro filho, João Luiz, permanecerá conhecido com o sobrenome Azeredo Coutinho.

Registro de Casamento de Manoel José Gomes e Ricarda Cordeiro Resende [Azeredo]2. Ricarda Cordeiro de Resende, por vezes referida com o sobrenome Azeredo, foi a filha mais velha de Francisco de Paula Resende e Rosa Luísa Grinalda. Ricarda, que recebeu o nome da avó paterna, era natural da freguesia de Nossa Senhora do Amparo de Maricá, bispado do Rio de Janeiro, onde fora batizada. Ela se casou na matriz do Santíssimo Sacramento em Cantagalo, bispado do Rio de Janeiro, na quarta-feira 1 de outubro de 1834, com o português Manoel José Gomes. O documento informa que o casamento deu-se “depois de confessados e examinados na doutrina cristã”, e, “logo depois de recebidos”, o vigário Antônio José da Cunha Sá Telles (já referido) lhes ministrou “as santas bênçãos”, tudo “como determina o concílio tridentino, a constituição do bispado e o ritual romano”. As testemunhas foram Rosa Leocádia e Manoel José Cardoso.

O esposo de Ricarda, Manoel José Gomes, nasceu e foi batizado na freguesia de Nossa Senhora da Ajuda, a qual passara a fazer parte do Concelho de Lisboa em 1762. Ele era filho de Antônio Gomes e Bárbara Clara. O sobrenome Gomes era patrilinear e originário da região do Ribatejo. Os pais haviam se casado em agosto de 1797 na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e, no fim do século dezoito, residiam na “Rua da Visitação”, nas proximidades da Junqueira. O pai, Antônio Gomes, quando se casou era “criado de Sua Majestade” no Palácio da Ajuda; o avô paterno, Gaspar Gomes, nascido em Alpiarça, havendo se estabelecido na Junqueira em Belém, e tendo se casado na Igreja de Nossa Senhora da Pena, foi soldado de Regimento do Conde de Lippe (1762-1768) e Guarda de Navios. Manoel José Gomes nasceu em 10 de abril de 1800, e foi batizado na antiga igreja no Largo da Boa Hora em primeiro de maio seguinte.

Dentre os filhos do casal Manoel José Gomes e Ricarda Cordeiro de Azeredo, pelo menos um foi ainda batizado pelo Frei Serafim Maria, capelão de Santa Rita, em 28 de julho de 1836, tendo sido o batismo registrado na paróquia em Cantagalo em 30 de setembro do mesmo ano, no qual o menino nascera em 24 de junho. Os avós maternos, Francisco de Paula Resende e Rosa Luísa Grinalda, foram os padrinhos. Visto que Santa Rita do Rio Negro (atual Euclidelândia) tornou-se, em 1837, a segunda freguesia da região, os próximos filhos de Manoel Gomes e Ricarda de Azeredo nasceram naquela região paroquial. Tão logo a freguesia de São José de Leonissa (Itaocara) foi instituída em 1850, os ofícios religiosos da família passaram a ser ali realizados. Manoel José Gomes ali faleceu em 26 de novembro de 1880, tendo sido sepultado no Cemitério do Santíssimo Sacramento.

Os filhos do casal Manoel José Gomes e Ricarda Cordeiro de Azeredo (ou Resende) receberam todos, invariavelmente, o sobrenome Gomes de Azeredo. Observe-se, neste caso, que o último sobrenome é o matronímico, remetendo para a tradicional família brasileira dos avós maternos de Ricarda. Tal fenômeno, com a prevalência do sobrenome matronímico, tem ocorrência milenar na cultura lusitana, onde os sobrenomes derivavam-se do uso comum e o direito de herança possuía característica peculiar. O mesmo fenômeno se repetirá frequentemente no Brasil colonial e ainda no Império; especialmente após a República, o atual padrão francês se imporá quase que universalmente.

As origens brasileiras mais remotas da família Santos

3. Dentre os filhos de Manoel José Gomes e Ricarda Cordeiro de Azeredo, tomo a liberdade de aqui destacar três deles:

César Augusto Gomes de Azeredo faleceu em 14 de julho de 1889, em Itaocara, solteiro, com a idade declarada de cinquenta e oito anos. O seu nome, “César”, tornar-se-á o nome masculino mais comum em nossa família, com incidência atualmente inumerável, inclusive nas mais recentes gerações. Entre os exemplos, o meu trisavô, sobrinho do referido César Gomes de Azeredo. Igualmente o meu bisavô e seus três irmãos o receberam como apelido, e assim tornaram-se conhecidos ao longo dos anos, embora não o tivessem oficialmente no nome. César era o nome de um saudoso irmão de meu avô; tornou-se o codinome de vários de meus primos, assim como o nome de um querido irmão de meu pai. Tais nomes variam entre a grafia arcaica com Z e a forma contemporânea.

Rosa Gomes de Azeredo, que recebeu o nome da avó materna, nascida em Itaocara a 14 de agosto de 1852, ali se casará em 9 de janeiro de 1875 com Manoel dos Reis Pinto. Este, português, nascido em 9 de abril de 1842, batizado no dia doze do mesmo mês na igreja de São Faustino em Viariz, antiga freguesia ao sul da Serra do Marão, no concelho de Baião, distrito do Porto. Rosa Gomes dos Reis, que faleceu em 5 de julho de 1920, e Manoel dos Reis Pinto, falecido em 12 de outubro de 1922, foram ambos sepultados no cemitério municipal de Portela, distrito de Itaocara. Eles são os ancestrais da família Reis, um clã primo de nossa família desde aquele tempo.

Por fim, mais velha que a irmã acima referida, Manoela Gomes de Azeredo, minha quarta avó. Nascida na circunscrição paroquial denominada Santa Rita do Rio Negro em 15 de maio de 1844, foi batizada naquela freguesia em 26 de junho do ano seguinte pelo Monsenhor Jacob Joye (1791-1866), capuchinho suíço que foi o primeiro vigário de Nova Friburgo. Poucos dias antes de completar vinte e dois anos, Manoela casou-se às onze horas da manhã do sábado 21 de abril de 1866, na igreja matriz de São José de Leonissa. O cônjuge foi o português José Ribeiro dos Santos (1839-1894), amarantino nascido na porta de entrada da Serra do Marão, e que chegara para a região na metade do século, no auge da cafeicultura no Vale do Paraíba. Teve ele, neste primeiro matrimônio, oito, dentre seus doze filhos, sendo o meu trisavô o primogênito dentre eles. Quando se casou, a família da esposa estava ininterruptamente no Brasil, com evidência documental, desde 1535, isto é, por mais de 330 anos.

Registro de Nascimento e Batismo de Manoela Gomes de Azeredo

O núcleo familiar Gomes de Azeredo constituiu, assim, o “ninho brasileiro” de nossa família, cuja história se desdobra, desde então, (1) nos municípios banhados pelo rio Paraíba do Sul, em seu troço entre as cidades de Itaocara e Campos dos Goytacazes. Este mais recente capítulo tem sido escrito (2) no transcurso do “Segundo Império” e, sobretudo, já no período republicano; (3) após a Lei de Terras de 1850, primeira iniciativa no sentido de organizar a propriedade privada no Brasil; (4) sob o profundo impacto da crise na economia cafeeira na região, desde fins do século dezenove, e o consequente fim de seu ciclo; (5) no contexto do esvaziamento econômico experimentado gradativamente pelos municípios ao norte do Estado do Rio no século passado – processo que encontrará alguma contenção com a exploração de petróleo na Bacia de Campos; e (6) alinhado à lógica do conhecido fenômeno denominado Êxodo Rural. Desde minha trisavó, e já por um século, (7) este braço da família também tem sido evangélico, em sua vasta maioria; evangélico batista desde o início, e ainda hoje majoritariamente.

Gilson Santos em Guimarães, Portugal, e em frente à matriz de Cantagalo, RJ

À esquerda, o autor deste texto em frente ao Castelo de Guimarães. Em Guimarães nasceu Portugal, e lá estão as origens imediatas dos ancestrais da Família Azeredo no Brasil. À direita, em frente à Igreja Matriz de Cantagalo, Rio de Janeiro, que foi a primeira freguesia em toda a região Centro-Norte fluminense.

NOTAS:

1. Para a ancestralidade de Vasco Fernandes Coutinho, pode-se consultar: Os Herdeiros Do Poder, por Francisco Antonio Doria, 2ª. edição. Revan, 2009.

2. Para uma introdução bibliográfica sobre Vasco Fernandes Coutinho, o Velho, Vasco Fernandes Coutinho, o Filho, Madragana Bat Aloandro e Luísa Grimaldi, recomendo os verbetes da Wikipedia em espanhol, aqui remetidos. Os referidos verbetes em português são de qualidade acadêmica significativamente inferior. Nos casos dos verbetes em espanhol sobre Vasco Pai e Vasco Filho, assim como no de Luísa Grimaldi, sugiro uma leitura cuidadosa das referências bibliográficas e das notas.

3. Para a genealogia da família Azeredo Coutinho e Mello, pode-se recorrer a diversas obras, inclusive ao clássico genealógico Primeiras Famílias do Rio de Janeiro (Séculos XVI e XVII), em 3 volumes, por Carlos Grandmasson Rheingantz (1915-1988), um dos fundadores do Colégio Brasileiro de Genealogia. Para um amplo cotejamento atual sobre a referida família, recomendo o trabalho, de boa qualidade e amplamente referendado, do genealogista Lênio Luiz Richa: Azeredos Coutinhos e Melo.

4. Para um acervo genealógico, embora incompleto, das famílias itaocarenses, recomendo o amplo e inestimável trabalho realizado pelo genealogista Marco Polo T. Dutra P. Silva. Como exemplo, cf. o trabalho do referido autor para a família Resende e Gomes de Azeredo.

5. Para uma qualificada introdução à história do Centro-Norte fluminense, recomendo o amplo trabalho da historiadora regional, Maria Janaína Botelho Corrêa, que também realiza trabalho jornalístico, conforme se pode conferir em seu canal Youtube

6. Uma obra que lança boa luz sobre as origens de Cantagalo e Nova Friburgo é: Nova Friburgo, 200 Anos: da memória do passado ao projeto do futuro, por Vanessa Cristina Melnixenco. Rio de Janeiro: Novas Direções, 2018. Esta obra me foi generosamente presenteada pelo presidente da Fundação D. João VI em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, em breve visita que fiz à instituição. Bom acervo historiográfico tem sido providenciado pela instituição.

7. Neste texto, a maior parte do levantamento documental, sobretudo dos séculos dezoito e dezenove, resulta de pesquisas pessoais do autor deste texto no transcurso de quase trinta anos, inclusive em viagens no Brasil e Portugal.

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Texto por Gilson Santos em 16/04/2020; última atualização em 23/10/2021. Integra um projeto mais amplo de genealogia e história familiar, do qual o autor faz parte ao lado de vários outros da família. Para contatos com o autor, clique aqui.