Fundação da cidade do Rio de Janeiro: Belchior de Azeredo
A historiografia brasileira já se tem debruçado amplamente sobre a decisiva contribuição da Capitania do Espírito Santo na defesa do Rio de Janeiro contra os franceses e os indígenas, e, portanto, para a consequente fundação da nova cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O fidalgo Belchior de Azeredo teve uma participação muito importante nas origens da Capitania do Espírito Santo, e também no consórcio com Mem de Sá (1500-1572) e seu sobrinho, Estácio de Sá (1520-1567), o primeiro governador-geral da Capitania do Rio de Janeiro. (Cf., como exemplo, Novaes, 1965). Foi Belchior um nome de destaque nas guerras luso-brasileiras na Guanabara.
Fundação da cidade do Rio de Janeiro, 1881, Antônio Firmino Monteiro (Pintor Paisagista Brasileiro, 1855-1888), fotocromolitografia, 52.2 x 76 cm, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Óleo sobre tela, 200 x 300 cm, Palácio Pedro Ernesto, Rio de Janeiro. Tamanho grande aqui.
Belchior de Azeredo foi designado, em 1550, para ocupar na Vila de Vitória a função de escrivão do Provedor, Feitor, Almoxarife e da Alfândega. Foi cavaleiro fidalgo por alvará do Senhor D. Sebastião (27 de novembro de 1566) e “fidalgo de geração, e família de seu apelido por brasão”, que se lhe passou a 6 de dezembro de 1566 (RTHG, Tomo V: 436). Acerca dele, eventualmente referido como “Melchior”, escreverá o padre jesuíta Braz Lourenço, o verdadeiro organizador do estabelecimento dos jesuítas na capitania, em uma carta enviada em 10 de junho de 1562:
O Capitão a que chamam Melchior de Azeredo, pessoa mui nobre e pera este officio mui sufficiente, assi por sua virtude e saber como por ter elle animo pera sujeitar estes índios e resistir aos grandes combates dos Francezes, é muito nosso devoto e ajuda e favorece em todas as cousas tocantes á conversão dos Gentios e em tudo o de mais que cumpre a serviço de Nosso Senhor. Todos os seus negócios e cousas de consciência communica sempre com o padre Braz Lourenço, a que elle tem muito credito, e obediência in Domino, e é muito nosso familiar, e nos manda commummente ajudar com suas esmolas.
Este anno passado, despois que o governador Men de Sá destruiu a fortaleza no Rio de Janeiro, foi esta capitania mui combatida dos Francezes, os quaes, entrando neste porto com duas naus mui grandes e bem artilhadas, se puzeram defronte desta povoação, cousa pera causar assaz terror por serem os moradores poucos, as casas cobertas de palha e sem fortaleza. Acudiu o Capitão com todos os mais a se encommendar primeiro a Santiago, como sempre costuma indo a suas guerras, nas quaes Nosso Senhor o favorece com lhe dar sempre vencimento; sahiu o padre Braz Lourenço a elles, e, tomando a bandeira do bemaventurado Santiago nas mãos, se foi com elles até ao logar do combate, aonde houve de uma parte e d’outra muitos tiros, dos quaes nem-um fez damno aos da povoação nem a ella; mas antes um dos nossos lhe deu com um falcão ao lume d’água em uma das suas naus, com o qual se puzeram em fugida; e os Christãos, seguindo seu Capitão, se foram apóz elles em almadias com muita escravaria ás frechadas até os lançarem fóra do porto. (Cartas Jesuíticas Avulsas, 1550-1568, p. 339-340).
Observe que o religioso jesuíta, testemunha ocular na incipiente capitania capixaba, refere-se a Belchior de Azeredo como “capitão”. Este tratamento pressupõe o provimento que fora dado dois anos antes por Mem de Sá (1500-1572), o terceiro governador-geral do Brasil, em 3 de agosto de 1560:
Belchior de Azeredo combateu os franceses em quatro tentativas de invasão na Capitania do Espírito Santo (1551, 1558, 1561 e 1567). Afrânio Peixoto (1876-1947), que foi membro da Academia Brasileira de Letras, adicionou sua nota explicativa sobre ele:
Melchior ou Belchior de Azeredo é homem principal do Espirito Santo, indicado pelo povo a Mem de Sá, em 60, quando, de passagem do Rio para a Bahia, visitou a Capitania, dada a desistência do donatário Vasco Fernandes Coutinho, pobre, aleijado, doente e que viria a fallecer em 61. Ficou Melchior de Azeredo por capitão mór. Quando Estacio de Sa foi mandado em 64 a povoar o Rio, e vencer os Tamoyos ainda ajudados de Francezes remanescentes, de caminho Belchior de Azeredo e o chefe tememinó Martim Affonso Ararygboia tomaram passagem na expedição. No Rio obraram proezas. Com 8 canoas, depois de renhido combate, para os lados de Paquetá, aprisionou Melchior de Azeredo duas canoas inimigas de vinte que se reuniam para dar ataque á recente colônia. De 64 a 66 ha documentos dos bons serviços que a Estacio de Sá prestou o capitão mór do Espirito Santo. (Cartas Jesuíticas Avulsas, 1550-1568, nota 184).
Nos anos recentes, historiadores (com destaque a capixabas) têm empreendido importantes trabalhos de revisão historiográfica, desfazendo equívocos e oferecendo abalizadas perspectivas sobre a Capitania do Espírito Santo no século dezesseis. O historiador José Teixeira de Oliveira observa:
A colaboração que a Capitania de Vasco Fernandes Coutinho dispensou a este episódio da consolidação da hegemonia portuguesa no Brasil se inscreve entre as mais belas e eloquentes demonstrações de acuidade política e solidariedade fraternal do período colonial. Era o momento em que se definia o destino da futura nacionalidade – ou a terra continuava uma possessão de Portugal ou se entregava ao domínio dos franceses. Solicitada sua ajuda, o Espírito Santo deu quanto pôde – dois valorosos e heroicos soldados e legião imensa de bravos guerreiros. Belchior de Azeredo foi um dos baluartes da vitória das armas luso-brasileiras na Guanabara. Duas vezes, pelo menos, foi posta à prova sua bravura. Em ambas demonstrou possuir fibra de autêntico soldado. O funcionário, homem de justiça, administrador, portou-se à altura dos grandes capitães que a colônia conheceu. (Oliveira, 2008, p. 110).
Dentre outros antigos autores, Baltasar da Silva Lisboa, em seus Anais do Rio de Janeiro (1834-1835), oferece circunstanciado relato de como o cavaleiro fidalgo, Belchior de Azeredo, serviu ao lado de Estácio de Sá contra os franceses e os indígenas, oferecendo detalhes dos referidos combates em momentos decisivos na década de 1560. Estácio de Sá deixara a Capitania do Espírito Santo em 20 de janeiro de 1565 e em 1 de março de 1565 fundou São Sebastião do Rio de Janeiro. Silva Lisboa sintetiza, por fim, a provisão de Estácio de Sá treze meses após, em 3 de abril de 1566, e quase onze meses antes de sua morte:
Portanto, após a violenta guerra contra os franceses e os índios Tamoios, foi instalada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em 1565, no lado ocidental da baía de Guanabara. Estácio de Sá e seus comandados montaram, naquele ano, o primeiro arraial na área onde, atualmente, está instalada a Escola de Educação Física do Exército, na Urca. O local da fundação era protegido por paliçadas, e foi descrito em cartas pelo padre José de Anchieta. Em 1567, dois anos depois da fundação da cidade, os portugueses ocupam o Morro do Castelo (“Morro de São Januário”), mais seguro, debruçado sobre a Baía. Entre as primeiras construções estão a Igreja de São Sebastião e o Colégio dos Jesuítas. Ao redor deste, a vida colonial organizou-se inicialmente, espalhando-se os habitantes pelas ladeiras do morro.
Quanto ao capitão-mor Belchior de Azeredo, era ele filho de João Álvares de Azeredo (1509-1571) e Izabel Luíza Lorena (1513-1584). O seu pai, João Álvares de Azeredo, foi capitão de Tânger, inclusive no planejamento da batalha contra os mouros em 1552. João Álvares de Azeredo era irmão de Baltazar de Azeredo, geralmente referido como “Azevedo”, que foi provedor da Fazenda no Espírito Santo – este último, portanto, tio paterno de Belchior. Dois filhos de Lancerote de Azeredo, irmão de Belchior, foram Miguel de Azeredo e Marcos de Azeredo. Miguel se casou com Luísa Corrêa e foi, como seu tio Belchior, capitão-mor do Espírito Santo; Marcos de Azeredo se casou com Maria Coutinho de Melo. Esta, que alguns referenciam como filha do primeiro donatário, Vasco Fernandes Coutinho, é mais precisamente uma neta. Com o casal teve início a família Azeredo Coutinho e Melo no Brasil.
Algumas referências bibliográficas:
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ALMEIDA, Wanderson Santos de. Gente da Terra: Relações de Poder na Capitania do Espírito Santo (séx. XVI-XVII). Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), 2019, 148p. Online aqui.
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NOVAES, Maria Stella de. “A capitania do Espírito Santo e a defesa do Rio de Janeiro”. Revista de História (USP), vol. 31, no. 63, São Paulo, 1965, pp. 99-111 . Online aqui.
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OLIVEIRA, José Teixeira de. História do Estado do Espírito Santo. Vitória: Secretaria de Estado da Cultura/Secretaria de Estado da Educação, 2008.
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OLIVEIRA, Victor Luiz Alvares. “Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro”. BiblioAtlas – Biblioteca de Referências do Atlas Digital da América Lusa. Online aqui. Data de acesso: 28 de abril de 2020.
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SERRÃO, Joaquim Veríssimo. O Rio de Janeiro no Século XVI. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio Editorial, 2008.
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Texto por Gilson Santos em 18/05/2020, com ligeiras revisões em 16/06/2020. Integra um projeto mais amplo de genealogia e história familiar, do qual o autor faz parte ao lado de vários outros da família. Para contatos com o autor, clique aqui.