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Matizes Paranaenses

A região Sul tem a menor superfície territorial do Brasil; sua extensão é menor que o estado de Minas Gerais. É dominada pela vastidão de um planalto, geralmente com pouca elevação. Não obstante o pequeno território, a região tem o segundo maior desenvolvimento do país. É um grande polo turístico, econômico e cultural, abrangendo grande influência europeia, principalmente de origem italiana e germânica. Apresenta índices sociais muito acima da média brasileira. A região tem apresentado a maior taxa de alfabetização, o mais alto nível de consumo alimentar, a mais elevada expectativa de vida, a menor desigualdade de renda, a melhor educação e saúde pública, o mais alto nível de bem estar social e a menor taxa de corrupção do Brasil.

Curitiba, Paraná. Fotos: Gilson Santos

Curitiba, Paraná. Fotos: Gilson Santos

No último mês de janeiro voltei ao Paraná para compromissos pessoais. Na visita anterior estivera no oeste paranaense, inclusive na região de Foz. Desta vez voltei a Curitiba, à região da Serra do Mar e litoral, e aos Campos Gerais. O Paraná é a porta de entrada para o Sul, particularmente a sua capital. Curitiba é a cidade mais populosa da região e apresenta índices sociais muito acima da média nacional. Novamente, pude entrar em contato com alguns matizes que caracterizam o vasto e rico caleidoscópio da região Sul. A seguir, destaco três:

O Protestantismo de Imigração

Com a vinda dos trabalhadores imigrantes para o Brasil no século dezenove, e com a liberdade de culto assegurada pelo Decreto de Comércio e Navegação entre Portugal e Inglaterra, o culto protestante foi inserido no Brasil. Uma das consequências mais importantes do protestantismo de imigração foi a de criar condições que facilitaram a introdução do protestantismo missionário no Brasil. Não obstante, o protestantismo de imigração tem características marcadamente diferentes do protestantismo implantado pelos missionários. Uma delas é a pouca incidência de cismas.

No Paraná, o pesquisador do protestantismo pode, por exemplo, entrar em contato com a Comunidade Luterana do Redentor em Curitiba, situada a poucas quadras do centro histórico da cidade. Fundada em 1866, esta igreja congrega significativa representação da comunidade de descendência germânica na capital paranaense. A música é influente na comunidade e estende-se para a sociedade em geral. A igreja já contou com um grande órgão de tubos; agora dispõe de um bem menor, com poucos registros. Há também alguns projetos sociais relevantes. O antigo templo, embora pequeno, é bonito e aconchegante. As dependências da igreja são antigas, mas bem cuidadas, e o mesmo se pode dizer do colégio anexo. A Gemeinde Schule reflete o apreço dos imigrantes pela educação. Tal apreço fez com que a máxima de Lutero, “ao lado de cada templo, uma escola” se concretizasse em várias instituições. E assim, por meio deste contato, o pesquisador pode desfrutar de uma perspectiva do legado luterano naquela cidade e, por meio desta pequena amostra, na região Sul.

Comunidade Luterana do Redentor em Curitiba. Fotos: Gilson Santos

Cortesia: Comunidade Luterana do Redentor em Curitiba. Fotos: Gilson Santos

O pesquisador do protestantismo de imigração pode desfrutar de uma outra experiência interessante visitando a região de imigração holandesa nos Campos Gerais do Paraná. Os primeiros holandeses se fixaram na região no início do século vinte, especialmente com a instalação da Brazil Railway Company e com empreendimentos no setor de laticínos. Para a região, levaram seus conhecimentos na agropecuária e os conceitos do cooperativismo, religião e educação. Baseados nesse tripé se desenvolveram economicamente e formaram as três pequenas “Holandas” do Paraná: as colônias de Carambeí, Castrolanda e Arapoti, mantidas até hoje. Em cada colônia estruturavam sua cooperativa, a igreja e a escola, mantendo a união entre os colonos e a força para não desistirem. De meados do século passado, a colônia de Castrolanda, no município de Castro, revela bem nitidamente as características neerlandesas.

Em Carambeí, em 1912 um pequeno grupo começou a se reunir nos domingos em uma residência para ouvir a palavra de Deus e para cantar juntos com o acompanhamento de um pequeno órgão portátil. A pedido dos imigrantes, a Brasil Railway Company cedeu uma casa de colono, medindo quatro por oito metros, da qual foram removidas as paredes internas, para o fim de celebrar cultos nos domingos e a qual durante a semana servia como escola. Leendert Verschoor e sua esposa, Wilhelmina, foram os precursores da colonização holandesa nos Campos Gerais. Eles “foram de uma importância ímpar nos primeiros anos de colonização de Carambeí. Ele, além de dirigir os trabalhos religiosos aos domingos, também cuidava dos doentes, consolava e aconselhava os necessitados. A esposa o ajudava com os doentes e, por muito tempo, foi a parteira da colônia”. A igreja crescente, identificada como o “principal pilar do sucesso da colonização”, continuou a reunir-se ali até a edificação do primeiro templo em 1930. Já no início da Igreja Reformada começaram os contatos com a Igreja Luterana, inclusive pela proximidade cultural entre alemães e holandeses. Cultos de batismo eram realizados por pastores luteranos de Castro e Ponta Grossa.

Reformados Holandeses em Carambeí e Castro, Paraná. Fotos: Gilson Santos

Reformados Holandeses em Carambeí e Castro, Paraná. Fotos: Gilson Santos

O Parque Histórico de Carambeí, instalado em um terreno de cem mil metros quadrados, é um projeto privado de caráter sociocultural, que tem como intuito preservar a memória dos pioneiros holandeses na região dos Campos Gerais e assim difundir a cultura dos imigrantes por meio de seu patrimônio material e imaterial – ambos presentes em espaços que reproduzem em réplicas arquitetônicas o estilo da vida do colono no início do século vinte. A Casa da Memória, a Vila Histórica e o Museu do Trator e dos Implementos Agrícolas permitem ao visitante uma boa introdução à cultura neerlandesa adaptada ao Brasil.

Trabalho, Cultura e Lazer

* Atrativos Naturais e Históricos – Uma boa sugestão é o passeio pela histórica Ferrovia Paranaguá-Curitiba – talvez o mais belo passeio ferroviário do Brasil. Em operação desde 1885, este foi o primeiro trecho ferroviário a surgir no Paraná. O Imperador Dom Pedro II lançou a pedra fundamental da ferrovia em cinco de julho de 1880.  Num tempo recorde, as dificuldades foram vencidas e treze túneis foram escavados nas montanhas de pura rocha, assim como edificadas trinta pontes e vários viadutos interligando os grotões e penhascos existentes no trajeto. O passeio ferroviário atravessa um caminho sinuoso pelo rico e belíssimo ecossistema da “Serra do Mar”, considerada reserva da Biosfera. Diariamente há trens partindo de Curitiba para Morretes, pequena e antiga cidade fundada em 1721. Esta possui construções históricas e opções gastronômicas, como o barreado, prato típico do litoral paranaense e o mais tradicional do estado. À beira do rio encontra-se o edifício mais antigo da cidade, que, segundo consta, conserva algumas paredes remanescentes do século XVII, e que em 1945 foi transformado em hotel.

Paraná: Atrativos Naturais e Históricos. Fotos: Gilson Santos

Atrativos Naturais e Históricos. Fotos: Gilson Santos

O Parque Estadual de Vila Velha, criado em 1953, é a principal atração turística da região de Ponta Grossa. Trata-se de um sítio com formações areníticas de valor cênico e científico. A unidade de conservação oferece ao visitante oportunidade de entrar em contato com a natureza num ambiente que conserva espécies nativas da fauna, e possui “flora caracterizada por campos nativos, refúgios vegetacionais rupestres, vegetações de transição entre estepe e savana, apresentando ainda capões com pinheiros”. No parque aparecem doze furnas, algumas em estágio terminal, como a Lagoa Dourada. 

* Artes Visuais e Urbanismo – Em Curitiba é fácil encontrar atrações culturais diferenciadas e acessíveis. A capital conta com belíssimos parques e algumas edificações impressionantes, tanto coloniais quanto modernas. O Museu Oscar Niemeyer (MON) foi projetado em 1967 pelo renomado arquiteto brasileiro para ser o Instituto de Educação do Paraná. Até 2002 foi sede de órgãos públicos, com o nome de Edifício Castello Branco. Reprojetado pelo próprio Niemeyer, renasceu em novembro de 2002 como NovoMuseu, tendo como maior atração o “olho” que domina a entrada. Em 2003 foi reaberto com o nome atual, como espaço dedicado a artes visuais, design, arquitetura e urbanismo. Nas salas quatro e cinco foi possível viajar ao redor do mundo, através das lentes hábeis e sensíveis do fotógrafo Sebastião Salgado. A exposição de curta duração, Gênesis, cuja curadora é a esposa do fotógrafo, exibe 245 imagens divididas em cinco regiões geográficas. O trabalho, realizado entre 2004 e 2011, mostra ambientes ainda intactos e preservados no planeta, como montanhas, desertos, florestas, tribos, aldeias, animais.

Nas salas oito e nove, a exposição Histórias do Acervo MON, com cerca de 200 obras, mostra como o conteúdo do acervo do museu vem sendo construído desde sua criação. A coleção abrange um referencial importante da produção artística nacional.

Paisagem Serrana com Personagem (Highland Landscape with Person), 1918, Alfredo Andersen

Paisagem Serrana com Personagem (Highland Landscape with Person), 1918, Alfredo Andersen (Pintor Norueguês radicado no Brasil , 1860—1935), óleo sobre tela, 43,5 x 30 cm, Museu Oscar Niemeyer (MON), Curitiba, Paraná, Brasil. Tamanho grande aqui.  

No subsolo encontra-se o Espaço Niemeyer, com exposição de projetos, fotos e maquetes de obras do arquiteto modernista brasileiro. A sala de referência abriga o projeto especial que homenageia a artista curitibana Isolde Hötte (1902-1994). No “Olho”, a exposição João Turin; Vida, Obra, Arte foi uma das que mais apreciei naquele museu. Nesta, faz-se uma homenagem ao pintor e escultor paranaense João Turin (1878-1949), um dos principais nomes da escultura brasileira, e o principal representante da escultura animalista no Brasil. Há várias estátuas e bustos esculpidos por Turin em locais públicos de Curitiba e outras cidades. Dentre estas obras, destacam-se a estátua de Tiradentes, que está no marco zero da Capital e a estátua de Rui Barbosa, que se encontra na Praça Santos Andrade. A mostra no MON expõe 130 bronzes, a maioria exibidos pela primeira vez, além de pinturas e desenhos e de parte da documentação sobre Turin, entre cartas, estudos e esboços. A Pietá, executada nos anos finais da década de 1910, encimando um dos altares da milenar Igreja de Saint-Martin, na região da Baixa-Normandia, França, é geralmente considerada uma das melhores obras de Turin.

Pedagogia, 1927, João Turin

Pedagogia, 1927, João Turin (Escultor Brasileiro, 1878-1949), Baixo-relevo em bronze, 126 x 252 x 35 cm, Acervo João Turin, Escola Normal de Paranaguá, Paraná, Brasil.

Pedagogia é um baixo-relevo em cimento feito em 1927 para a Escola Normal de Paranaguá, em cuja fachada se encontra. O exato centro da composição é ocupado pela Pedagogia, sob a forma de uma bela jovem que, sentada, tem junto a si um grande livro. À direita e esquerda dela sucedem-se quinze crianças de diferentes idades e posturas, portando livros, esquadros, compassos ou globos terrestres. “Pode-se ver, na disposição das diferentes figuras e na sobriedade do conjunto, a impressão que em Turin devem ter causado as Cantorias em Terracota de Lucca Della Robbia e sua oficina”. 

DETALHE: Pedagogia, 1927, João Turin

DETALHE: Pedagogia, 1927, João Turin

* Música – Boas apresentações musicais são comuns em Curitiba. Apenas como exemplo, no fim de tarde de quinze de janeiro participei do recital do contrabaixista Thierry Barbé no Auditório Bento Mossurunga da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP). Barbé é o principal contrabaixo da orquestra da Ópera Nacional de Paris e, desde 2000, é professor de contrabaixo no Conservatório Superior de Música e Dança de Paris. Ele foi acompanhado ao piano pela habilidosa Clenice Ortigara. No repertório, destaquem-se a execução do Allegro e Adagio ma non troppo do Concerto para Violoncelo em Si menor por Antonin Dvorák, de Salut d’amour por Edward Elgar, e uma inebriante execução de Misty, famoso jazz escrito pelo pianista Erroll Garner em 1954.  Thierry Barbé executou também peças de Henry Tomasi e Rufus Reid.

* Arquitetura e Design – Após o recital, pude visitar a Residência Belotti, onde havia uma exposição de colagens originais do artista gráfico Adriano Almeida Gonçalves, também conhecido como Catenzaro. A residência modernista foi projetada em 1953 por Ayrton “Lolô” Cornelsen, e finalizada em 1956. Exibe pilotis corbuseanos, formas simples, janelas em sequência e a fachada vermelha. São destaques o painel e portão em preto e branco – especialmente desenhado por Lolô para o casal Nini e Medoro Belotti – e a parede de cobogós vermelhos que apoia o pergolado, na parte posterior da edificação. Após grande período de abandono, em 2002 o imóvel foi adquirido por um casal que compreendeu a importância arquitetônica e histórica da edificação. Contratando-se os serviços de uma competente arquiteta, restaurou-se totalmente a residência durante os anos de 2013 e 2014, deixando-a própria para uso comercial.

Curitiba, Paraná

* Gastronomia – Um outro destaque da capital paranaense é a riqueza de sua gastronomia. Apenas como sugestão, é possível encontrar boa culinária alemã, a fim de encerrar um dia de descanso e lazer.

O Evangelho como Semente

No fim de tarde de um ensolarado domingo de janeiro, numa das grandes cidades do interior paranaense, a garagem de uma casa ampla e confortável passa por uma transformação. Cadeiras e bancos são dispostos em formato para salão, um púlpito é instalado e até um pequeno berçário é improvisado. Chegam algumas pessoas, inclusive jovens, adentrando ao espaçoso quintal e acomodando-se no ambiente recém arranjado. As fisionomias dos presentes, de tez clara, cabelos loiros ou acastanhados, e alguns olhos azulados, indicam a descendência germânica, o que é confirmado ao se ouvir os sobrenomes. A atenciosa e dinâmica esposa do pastor cuida para que as pessoas presentes sejam bem acolhidas e estejam bem acomodadas. Uma jovem assume um teclado eletrônico, e outro jovem, formado em engenharia e estudante de teologia, dá início ao culto lendo a Escritura Sagrada; ele também maneja um laptop e um projetor de multimídia, através do qual são projetados os cânticos que dirige. As letras das canções são bem selecionadas, refletem a teologia bíblica e respeitam o vernáculo. Há um período de intercessão e súplica em favor da igreja cristã perseguida, especialmente na África subsaariana, onde cristãos têm sido mortos e templos têm sido queimados pela intolerância religiosa – com o olhar omisso ou complacente de influentes setores da mídia ocidental. Antes da pregação, as crianças presentes são conduzidas a um ambiente interno da casa, onde recebem instrução específica para a sua idade. A seguir, o jovem ministro religioso, formado em Economia e em Teologia, abre o Evangelho de Marcos e o expõe com simplicidade, aliada ao nítido compromisso com o  rigor exegético e a habilidade homilética. Encerrado o culto, enquanto crianças brincam na atração lúdica de uma “casa da árvore”, os adultos presentes compartilham singelos e ternos momentos de interação. 

"O Evangelho como Semente" - Igreja Batista Reformada

Se em alguns contextos no Sul do Brasil a planta do evangelho de Jesus Cristo vem murchando, não recebendo os devidos cuidados manuais, irrigação e insumos, experiências assim parecem sinalizar a esperança de uma graça que se renova. É a semeadura do evangelho levada adiante nas estações que se sucedem, ora áridas e ora férteis. É o chamado ao olhar para cima e a missão com os pés no chão, para a fé no escândalo da cruz, para a experiência com a graça livre e soberana; para o serviço cristão ao próximo; para a “profundidade da riqueza, da sabedoria e do conhecimento”; para os “insondáveis juízos” e os “inescrutáveis caminhos”. Desdenhando dos limites rígidos de instituições seculares, de celebrados recursos e de glórias humanas, o vento continua soprando aonde quer. E assim, em coisas pequenas e fracas, o Poder se aperfeiçoa. Afinal, o crescimento do Reino é observado de fora, agindo de maneira extensiva, a partir do grão de mostarda. “Embora seja a menor entre todas as sementes, quando cresce, torna-se uma das maiores plantas e atinge a altura de uma árvore, de modo que as aves do céu vêm fazer os seus ninhos em seus ramos”. Observado internamente, agindo de maneira intensiva, é semelhante ao “fermento que uma mulher pegou e misturou em três medidas de farinha, até que toda a massa ficou levedada”. Enquanto os homens dormem, a semente persevera e germina com o seu incômodo mistério. Seus resultados, ora mais e ora menos visíveis, continuam oferecendo matizes ao diversificado cotidiano da região Sul do Brasil.