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Jogando Dominó; Parábola de um Cristianismo Lúdico

Domino Players, 1943, Horace Pippin

Domino Players, 1943, Horace Pippin (African-American Folk Artist, 1888-1946), Oil on composition board, 12 3/4″ x 22″, Phillips Collection, National Gallery of Art, Washington, DC

Muitas vezes temos passado alguns dias em um sítio de amigos no Sul de Minas. Um lugar muito aprazível, sob todos os aspectos. Além daquele recôndito esplendoroso, desfrutamos também da especial companhia de pessoas queridas. Quando lá estou, não raramente sou convidado para algumas partidas de dominó. Ganho algumas e perco várias. Trata-se de um jogo de lógica bem simples, e não se compara ao xadrez, por exemplo. O dominó é um jogo tradicional, coletivo e bem conhecido. As crianças, ao jogarem com adultos, pouco a pouco vão aprendendo a contar as peças, a prever os próximos lances, e a “quebrar” as jogadas dos adversários.

Pegue vinte e oito retângulos de madeira, papelão, marfim, plástico, pedra-sabão, dentes de morsa, ossos de baleia, metal, cristal ou outro material qualquer. Nas metades dos retângulos escreva todas as combinações possíveis de números, entre 0 e 6. Pronto! Você tem nas mãos um dos jogos mais populares e antigos que a humanidade conhece. Sua origem não é perfeitamente esclarecida, e o jogo sofre variações diversas. No Brasil teria chegado com os portugueses no século XVI, transformando-se em entretenimento para os escravos.

Os jogos estabelecem uma forma de atividade do ser humano, tanto no sentido de entreter e de aperfeiçoar ao mesmo tempo. A riqueza do dominó, enquanto material lúdico, contribui para desenvolver o raciocínio lógico e aritmético dos aprendizes, estando em correlação direta com o pensamento matemático. Os educadores podem fazer bom uso desta atividade lúdica. Este jogo permite trabalhar contagem organizada, representação decimal, paridade ou construção de material para laboratórios de ensino. A aprendizagem através de jogos, como dominó, permite que o educando faça da aprendizagem uma ação interessante e prazerosa.

Domino!, 1886, Frank Bramley

Domino!, 1886, Frank Bramley (English Painter, 1857-1915), Oil on canvas, 890 x 1120 mm, Crawford Municipal Art Gallery, Cork, Ireland

Um cristianismo lúdico e seu efeito dominó

Para alguns, o nome “dominó” teria sua origem na expressão latina Domino gratias (graças a Deus). Sugere-se que as peças do jogo eram comparadas à gola das vestes dos sacerdotes, golas estas pretas e brancas feitas da pele de morsa. Afirma-se que os religiosos usariam a expressão latina cada vez que faziam uma boa jogada… Entretanto, há alguns anos, li um devocional escrito por Henry G. Bosch, que trazia a seguinte história:

No começo do século XVII dois jovens monges foram disciplinados pelo Superior por causa de uma infração das regras do mosteiro. “Irmãos Benedito e Fidelis”, ele disse com severidade, “seu castigo será a reclusão por três meses — sob a regra do silêncio!” No começo os dois se entregaram à oração e ao estudo, mas o silêncio era tão opressivo e as horas vazias tão pesadas que, finalmente, o mais jovem teve uma ideia. Recolheu todas as pedrinhas lisas e chatas do mesmo tamanho que conseguiu encontrar no pátio até que, com a ajuda do seu “silente companheiro”, reuniram vinte e oito pedrinhas. Então escreveu diferentes números em cada uma delas e inventou um novo jogo para preencher aquelas horas de inatividade. Era difícil para os dois se comunicarem sem falar, mas depois de algumas semanas, estabeleceram através de gestos, diversas regras para o seu jogo com pedrinhas marcadas. A coisa mais difícil era manter o silêncio quando se alegravam com a vitória no jogo. Então tiveram uma boa idéia: — eles tinham permissão de orar em voz alta a oração “Dixit Dominus Domino Meo”. Reduzindo isto a uma única palavra, o vitorioso podia expressar o seu triunfo exclamando: “Domino! Domino!

Nada sei acerca das fontes em que se baseou Bosch para esta história acima. Apenas sei que a expressão Dixit Dominus Domino Meo é a tradução latina para “Disse o SENHOR ao meu Senhor”, como Davi inicia o Salmo 110, e que é repetida quatro vezes no Novo Testamento. Porém, vi nessa “história” uma parábola. Enquanto os outros pensavam que os dois piedosos homens estivessem orando, estavam na verdade brincando! Quando exclamavam “Domino!” não estavam se dirigindo a Deus, mas apenas expressando sua alegria e entretenimento. Não haveria muito disso em nossos dias? Muita gente na igreja não estaria apenas “brincando de dominó”?  Há toda uma atmosfera e fraseologia religiosa, mas no final apenas o entretenimento de um “cristianismo lúdico”. Uma completa falta de vitalidade, e uma abundante trivialidade. Um “cristianismo” de aceitação da comunidade, de agrado à sua própria consciência, de entretenimento, ou simplesmente para matar o tempo. Como sabemos, através dos profetas, este tipo de religiosidade foi condenada: “Este povo se aproxima de mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim, e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, que maquinalmente aprendeu” (Is 29.3).

The Young Domino Player, 1892, Ellen M. Simpson

The Young Domino Player, 1892, Ellen M. Simpson, oil on canvas laid down, 90 x 70 cm, Private Collection

E não podemos esquecer também a brincadeira que deu origem a expressão “efeito dominó”. Muitos de nós já nos divertimos, colocando as pedras do dominó em pé, umas atrás das outras, até que uma fila longa e sinuosa cubra toda a mesa. Então, com um toque, elas caem, a primeira tocando na seguinte e assim por diante até que todas são derrubadas. A “teoria do dominó”, frequentemente citada por autoridades em diversas áreas, baseia-se neste tipo de relação. Nas relações internacionais significa que a queda de um governo numa determinada região do mundo, causada por influências subversivas ou pela força, leva ao consequente colapso dos países vizinhos, um atrás do outro.

Um efeito semelhante pode ocorrer nos padrões eclesiásticos. O que uma igreja faz pode atingir muitas outras por causa da relação que existe entre elas. E assim um padrão vai se estendendo para além da comunidade local. Basta que uma “pedra de dominó” caia para que muitas outras caiam também. Logo, quando nos referimos acima ao fato de que temos a “brincandeira de dominó”, será que também não vemos atualmente um longo e sinuoso “efeito dominó”? Isto é, um número crescente de pessoas que já não mais se reúnem para dar Domino gratias, mas simplesmente para brincar, assim como os “irmãos Benedito e Fidelis”?

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