As “piadas de sogra” estão perdendo a graça para mim – Gilson Santos
Naomi and her Daughters, exhibited 1804, George Dawe (English Academic Painter and Portraitist, 1781-1829), oil on canvas, 96,1 x 76,9 cm, Tate Gallery, London, UK. Large size here.
Ao longo de minha vida tenho ouvido muitas “piadas de sogra”. E algumas delas são engraçadas mesmo, por conta da arquitetura própria do humor, que possui toda uma estética característica. E estou ciente que as relações entre muitas sogras com seus genros e noras não são nada amistosas. Existem casos de inimizades declaradas, e em alguns casos, tristemente, o convívio tem sido realisticamente inviabilizado. Tenho lidado por longos anos com aconselhamento e crises familiares, e sei exatamente o que essa realidade significa.
Em minha experiência pessoal, porém, tal realidade não se aplica. Tenho minha sogra como minha terceira mãe. Quantas mães tenho tido? Algumas. Mas a primeira é aquela que me gerou e amamentou; a segunda foi minha avó paterna, falecida, e que me causa muitas saudades; minha terceira mãe tem sido minha sogra. Este ano, por conta de dificílimas tribulações que esta tem passado, ela não passará o Natal e fim de ano conosco, como tem feito por cerca de vinte anos. Como moramos muito distantes, geralmente nos vemos pessoalmente pelo menos duas vezes ao ano. A última vez em que estivemos juntos foi no útimo mês de outubro, quando ela sepultou o seu filho mais novo (o único homem), que faleceu de infarto cardíaco fulminante aos quarenta e sete anos, deixando dois filhos menores – isto é, dois netos de minha sogra. Esta já vira o seu esposo, pastor evangélico batista, falecer aos quarenta e três anos, igualmente de infarto cardíaco, dentro do pátio do seminário batista no qual estudei, e logo após ministrar uma aula. Minha sogra criou, sustentou e educou, com o salário de professora aposentada, três filhas (incluindo minha esposa Nadir) e aquele filho, todos menores, depois que o pai deles falecera. E isto ela o fez por quinze anos, até casar-se novamente com um grande amigo nosso, que tem sido, na prática, o avô de nossas filhas.
Nas últimas tribulações difíceis pelas quais toda nossa família tem passado, minha sogra tem sido a pessoa que mais tem sofrido. Anteontem, quando comunicávamos a ela mais uma notícia dificílima, ela orou conosco ao telefone de uma maneira imensamente doída. Algo próximo dos lamentos de Jó, Jeremias e Hemã.
Hoje as “piadas de sogra” vêm perdendo a graça para mim. Por diversas razões, mas tomo a liberdade de destacar aqui apenas três delas:
1) Elas me parecem desonrar o quinto mandamento. “Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa), para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a terra” (Efésios 6.2-3). A fé cristã reformada (que eu sustento), inclusive o precioso irmão João Calvino, tem exposto devocionalmente este mandamento, e por si só ele deveria nos incutir o respeito às pessoas mais idosas que nós. Porém, e ainda mais, quando nos casamos, minha esposa e eu nos tornamos uma “só carne”, segundo a realidade vista da perspectiva divina. Então, pressupõe-se que nossos pais deveriam ser respeitados e honrados mutuamente por nós, cônjuges, como nossos pais. Outras culturas lidam melhor com isto, em comparação com a nossa luso-brasileira.
2) Uma segunda razão porque as “piadas de sogra” estão perdendo a graça para mim é que elas não me parecem contribuir para tornar melhores as relações, já tão difíceis em alguns casos, entre sogras, genros e noras. Nós brasileiros somos um povo alegre e bem humorado, o que em princípio é algo muito bom, mas saliente-se que nem sempre a melhor maneira de lidar com coisas sérias é fazendo gracejo. Talvez esteja na hora de assistirmos mais realisticamente as nossas tragédias e dramas, e não sermos apenas um povo que celebra a vida por meio de comédias, diante de tantas mazelas que temos visto dia após dia. Nosso humor é celebrizado pelos refrões previsíveis, e talvez esteja na hora de deixarmos de ficar, fatalísticamente, prevendo e antecipando nossas misérias, amainando-as com os nossos refrões aguardados.
3) Uma terceira razão pessoal porque as “piadas de sogra” estão perdendo a graça para mim é que elas, por terem pretensões universais (até para fazerem graça) ofendem a minha. E eu e minha esposa temos um desafio diante de nós: tornar a nossa vivência com os nossos pais comuns muito melhor do que tem sido até hoje. E se as suas relações com os pais de seu cônjuge não são boas, então penso que isto definitivamente não é exatamente um motivo para riso em princípio, mas para mobilizar esforços de superação.
Talvez eu ainda possa rir de “piadas de sogra”, mas como alguma coisa distante de minha realidade, ou que demonstre algumas de nossas atitudes patéticas e ridículas enquanto genros, noras e sogras, inclusive as minhas. Talvez, sei lá, eu ainda possa rir em algum momento da minha triste miséria relacional com aqueles a quem deveria demonstrar o amor de Cristo, a começar dos nossos pais, entre os quais se inclui a minha preciosíssima irmã em Cristo, amiga pessoal e terceira mãe, que a generosa graça de Deus me concedeu.
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