Pular para o conteúdo

Há um ano, vi você partir…

Nadir de Almeida Rocha Santos

Com as lembranças possíveis a uma criança de pouco mais de três anos, recordo-me de quando você chegou a nossa família. Lembro-me, por incrível que pareça, de minha mãe indo ao hospital para “trazer você”. As coisas se complicaram: recordo-me ainda que minha mãe teve graves problemas. Não sabia dizer o que estava acontecendo, mas me lembro do sentimento de angústia pela possibilidade de perdê-la por conta de hemorragia e choque anafilático após uma transfusão de sangue. Mas, graças a Deus, a mãe melhorou. Também me lembro direitinho do dia em que você veio pra casa. Éramos alegria e, eu… pura curiosidade pra ver o meu irmãozinho, único filho homem naquela família, um bebê mais novo que eu, apesar de tão grande e gordinho. A euforia se tornou desespero, pois você só chorava, dia e noite, por um mês. Quando eu falava com a mãe que o nenê estava chorando de novo, de tão cansada, a mãe dizia: “Deixa, quando ele cansar, para”. Com um mês, você já mamava uma mamadeira inteira de leite com Neston. E ficava cada vez maior diante dos meus olhos de criança. 
Quatro irmãos; ao centro, o menino Jurandir JuniorO tempo ia passando e você crescendo. O meu pai irradiava alegria. 
Você cresceu até chegar o dia de ir pra escola. No seu primeiro ano, houve um “estranhamento” seu com a professora, o que fez com que você, depois, ao chegar a escola e ver que a professora era a mesma, saísse correndo de dentro da escola pela rua e todos nós atrás de você. 
Lembro-me, como se estivesse vendo um filme se passar diante dos meus olhos, de nossas brincadeiras. Com você aprendi a soltar pipa; a pular muro; a andar de squate, ou melhor, a cair; a subir em árvore; a fugir de marimbondo; a correr atrás do gato; a montar “cabaninha” como se estivéssemos em meio a uma grande floresta (o nosso quintal cheio de árvores); e outras brincadeiras, que hoje já não são mais consideradas “politicamente”, nem “ecologicamente” corretas. 
Vi você desmontando o carrinho “bate e volta” de bombeiro, caríssimo, que ganhou de nossa avó no Natal, só pra ver como funcionava por dentro. Possibilidade de vida profissional.
Com você, e as outras minhas duas irmãs, dividi minhas quedas de bicicleta, pois gostávamos de fazer “cavalinho de pau” e andar de parelha sem segurar no guidon da bicicleta: prenúncio de nossos tombos homéricos. 
Com você e minhas irmãs, ri muitas vezes ao ver nosso pai andando na bicicleta, de costas. Também dividi as coças, coisa que a gente não gosta de se lembrar.
Com você e meu pai, “aprendi a nadar” (nome que a gente dava a bater braço na praia). E também a me interessar por prancha, como se soubesse surfar de verdade.
Vi você confessando ser um pecador, entregando-se a Jesus e sendo batizado. Meu pai, nosso pastor, e minha mãe eram só alegria.
A vida foi seguindo…
Até que, vi você, junto com todos nós, sofrendo e chorando a morte de nosso pai ainda tão novo. Na época, você com 12 anos, tornou-se o homem da família. Muitas vezes esse rótulo lhe trouxe peso e frustrações. 
Mas sobrevivemos. Crescemos…
Ouvi de você, como o homem da família, piadinhas ao me levar ao altar e me entregar àquele que seria o homem da minha vida, a fim de me acalmar naquela hora (porém eu observava que você estava mais nervoso que eu). 
Depois de 5 anos, vi você, branco, meio passando mal, ao ver sua sobrinha Esther logo ao nascer no hospital. E depois dividindo, mais uma vez nossa felicidade, no nascimento de sua sobrinha Anna.
Infelizmente, também vi momentos tristes como os seus tombos preocupantes de moto, quando às vezes você se feria muito. E, quando, nossa mãe chorava e orava para que Deus o trouxesse de volta para Ele, em sua época de rebeldia e afastamento do Senhor. O que aconteceu algum tempo depois.
Jurandir Gonçalves Rocha Junior (1970-2017)Vi você, e todos nós juntos, sofrendo quando você foi vítima de trote na faculdade, tendo suas mãos queimadas no asfalto, pois não queria pagar cerveja pros colegas, pois nem dinheiro pra pagar a faculdade e se alimentar direito você tinha.
Depois, vi o meu irmãozinho mais novo, tornando-se um Engenheiro Mecânico.
E enfim, vi você se casando… formando sua família, chorando de exultação por ocasião do nascimento de seu primeiro filho; e depois, sua alegria, seguida de grande sofrimento, junto com sua esposa, na época do nascimento do seu segundo filho, quando este apresentou problemas após o nascimento. Também vi o milagre de Deus na vida de vocês, permitindo que ele sobrevivesse. E hoje está aí, um belo e forte garotão. 
Vi você, em busca de melhores condições pra sua família, buscando outra profissão. E passou, em primeiro lugar no concurso que prestou, mesmo não sendo sua área de formação. 
Porém um dia… com sofrimento e dor, que jamais podia imaginar sentir em minha vida outra vez, após a morte de meu pai, vi você sendo entregue à terra, como diz o texto bíblico: “… (o corpo) ao pó volte, e o espírito volte a Deus…” O seu corpo voltou ao pó, mas o seu espírito, a Deus. Foi tão cedo (pra nós), com apenas quarenta e sete anos, mas sei que no tempo de Deus.
Pude agradecer a Deus, junto com a família e os muitos e muitos amigos seus presentes no culto por ocasião do seu sepultamento, por tudo que Deus permitiu que eu pudesse ver e viver com você.
Perfeito? Não… Mas meu irmãozinho mais novo e muito amado.
Hoje, 9 de outubro de 2018 faz um ano, mas a dor ainda é muito grande… às vezes insuportável…
Porém, o conforto vem da convicção de que um dia estaremos novamente juntos, como irmãos feitos no sangue de Cristo, louvando a Ele, o Salvador e Consumador de nossa fé.

(Escrito por ocasião de um ano do falecimento de meu irmão Jurandir Gonçalves Rocha Júnior. Falecido em 09/10/17).