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Exultar na Monotonia – G. K. Chesterton

Trying On Grandmother's Spectacles (Intenta En Gafas de la abuela / Poniéndose las gafas de la abuela / Colocando os óculos da vovó), 1867, Theodore Gerard

Trying On Grandmother’s Spectacles (Intenta En Gafas de la abuela / Poniéndose las gafas de la abuela / Colocando os óculos da vovó), 1867, Théodore Gérard (Belgian Academic Painter, 1829-1895), Oil on panel, 69.8 x 53.6 cm (27.48 x 21.1 in.), Private collection 

Eu não me levanto todas as manhãs; a variação porém não se deve à minha atividade, mas à minha inação.

Ora, para usar uma frase popular, pode ser que o sol levante-se regularmente porque nunca se cansa de levantar-se. A sua rotina pode provir não de uma falta de vitalidade, mas de uma torrente de vida. O que eu quero dizer pode ser observado, por exemplo, nas crianças, quando descobrem algum jogo ou brincadeira de que gostam muito. Uma criança balança ritmicamente as pernas devido a um excesso, e não a uma ausência de vida. As crianças têm uma vitalidade abundante, são impetuosas e livres de espírito, e portanto querem as coisas repetidas e inalteradas. Elas sempre dizem “Faz de novo”; e o adulto faz de novo até ficar quase morto. Os adultos não são suficientemente fortes para exultarem na monotonia. 

Mas talvez Deus seja suficientemente forte para exultar na monotonia. É possível que Deus diga ao sol todas as manhãs: “Faz de novo”, e diga à lua todas as noites: “Faz de novo”. Pode ser que não seja uma necessidade automática que faz todas as margaridas iguais; pode ser que Deus faça cada margarida separadamente, mas não se canse de criar cada uma delas em particular. Pode ser que Ele tenha um eterno apetite de infância; pois nós pecamos e envelhecemos, e nosso Pai é mais jovem do que nós. A repetição na Natureza pode não ser uma simples recorrência; ela pode ser um BIS de teatro. O céu pode ter pedido BIS ao passarinho que pôs um ovo. 

Se o ser humano concebe e dá à luz um bebê humano em vez de dar à luz um peixe, ou um morcego, ou um grifo, pode ser que não seja pelo fato de estarmos fixados em um destino animal sem vida ou finalidade. […] A repetição pode continuar por milhões de anos, por mera escolha, e a qualquer instante parar.

(Gilbert Keith Chesterton [1874-1936] foi um escritor, poeta, narrador, ensaísta, jornalista, historiador, biógrafo, teólogo, filósofo, desenhista e conferencista britânico. Igualmente trilhou pelo campo da economia. Tradução revisada e atualizada por mim. Cf. CHESTERTON, G. K.. Ortodoxia. Tradução de Eduardo Pinheiro. Prefácio de João Ameal. 2ª edição. Porto: Livraria Tavares, 1950, 259p.  Confira ainda: CHESTERTON, G. K.. Ortodoxia. Tradução de Almiro Pisetta. Prefácio à Edição Comemorativa em Português por Philip Yancey. 1ª edição. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, pp. 99-101. Confira e-book aqui.)