A Palavra – Latino Coelho
De todas as artes, a mais bela, a mais expressiva, a mais difícil, é sem dúvida a arte da palavra. De todas as mais se entretece e se compõe. São as outras como ancilas e ministras; ela, soberana universal.
Da estatuária toma as formas; da arquitetura imita a regrada estrutura de suas fábricas; da pintura copia a cor e o debuxo de seus quadros; da música aprende a variada sucessão de seus compassos e melodias; e sobre todos estes predicados, tem, mais do que as outras artes, a vida, que anima os seus painéis, a paixão, que dá novo esplendor às suas tintas, o movimento, que intima aos que a escutam e admiram, o entusiasmo e a persuasão.
A estátua fala, mas fala como uma interjeição, que apenas expressa um sentimento vago, indefinido, momentâneo. A pintura fala, mas fala como uma frase breve em que a elipse houvera suprimido boa parte dos elementos essenciais. O edifício fala, mas fala como uma inscrição abreviada, que desperta a memória do passado sem particularizar os acontecimentos a que alude. A música fala, mas fala apenas à sensibilidade, sem que o entendimento a possa claramente discernir.
Só a palavra, nas artes a que é matéria prima, fala ao mesmo tempo à fantasia e à razão, ao sentimento e às paixões. Só ela, Pigmaleão prodigioso, esculpe estátuas que vão saindo vivas e animadas da pedra ou do madeiro, onde as delineia e arredonda o seu buril. Só a palavra, mais inventiva do que Zeuxis, sabe desenhar e colorir figuras e países, com que se ilude e engana a vista intelectual, mais audaz que os Ictinos e os Calícrates, traça, dispõe, exorna e arremessa aos ares monumentos mais nobres e ideais que o Partenon de Atenas. Só a palavra, mais comovedora e persuasiva do que o plectro dos Orfeus, encadeia à sua lira mágica estas feras humanas ou desumanas, que se chamam homens, arrebatados e enfurecidos nas mais truculentas alucinações.
(José Maria Latino Coelho, 1825-1891, escritor português. In: Demóstenes, Oração da Coroa. 2a. edição. Introdução, p. XVII).
Venantius Fortunatus Reading His Poems to Radegonda VI, 1862, Sir Lawrence Alma-Tadema (Dutch-born English Classicist Painter, 1836-1912), Oil on canvas, Dordrechts Museum