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Santo Antão e a Tentação do “Vil Metal” – Fra Angelico

Saint Anthony the Abbot Tempted by a Lump of Gold, ca. 1436, Fra Angelico

Saint Anthony the Abbot Tempted by a Lump of Gold (Santantonio abate tentato dall’oro), ca. 1436, Fra Angelico (Italian Early Renaissance Painter, ca.1387-1455), tempera on panel, Museum of Fine Arts, Houston, Texas, USA. Large size here.

Giovanni da Fiesole, nascido Guido di Pietro Trosini, mais conhecido como Fra Angelico (c. 1387-1455), foi um pintor italiano, considerado o artista mais importante da península na época do Gótico Tardio ao início do Renascimento. Representante do estilo gótico internacional, trabalhou amplamente, legando um acervo imenso em iconografia religiosa e original em estilo. Atualmente suas obras integram o acervo dos principais museus em todo o mundo.

A tela acima, que retrata “Santo Antão, o Abade, tentado por uma pilha de ouro no deserto”, integra a coleção do Museu de Belas Artes em Houston, Texas, Estados Unidos. Entre os mais conhecidos “Pais do Deserto”, Santo Antão (c. 250-356) é um Pai da Igreja celebrado por diversas confissões cristãs. Também conhecido como “Santo Antão do Deserto”, é considerado o fundador do monasticismo na Cristandade. Cristão copta egípcio, era filho de pais relativamente abastados, que se dedicavam à agricultura. Quando estes morreram, Antão, ainda jovem, ficou de posse de uma herança que poderia ter permitido uma vida tranquila tanto a ele como à sua irmã mais nova, que ficara sob sua tutela. Com cerca de vinte anos, entretanto, o jovem tomou literalmente para si uma advertência do evangelho e distribuiu todos os bens aos pobres, partindo em seguida para viver no deserto, colocando antes sua irmã sob os cuidados de religiosas da igreja. Iniciou, a partir daí, uma vida de eremita, e por muito tempo perseverou na prática ascética. Jejuava e praticava a mais severa autonegação, e contentava-se em dormir sobre uma esteira, embora regularmente o fizesse sobre o chão. O livro narrando A Vida de Santo Antão exerceu grande influência sobre importantes Pais da Igreja. Em suas Confissões, Agostinho narra o lugar deste manuscrito em seu encontro com Ponticiano e também por ocasião de sua conversão.

O episódio As Tentações de Santo Antão no Deserto tornou-se lendário durante a Idade Média, e amplamente retratado na literatura e nas artes, especialmente na iconografia religiosa. Muito embora os teores lendários que se multiplicaram, as narrativas das tentações pretendiam salientar características éticas do personagem. Tais narrativas trazem que, entre as tentações a que foi submetido o monge, está a do aparecimento de uma pilha de ouro. Em “Santo Antão, o Abade, tentado por uma pilha de ouro no deserto”, Fra Angelico retrata o religioso reagindo com espanto e veemência ao apelo do metal. Interpondo-se no caminho de um indivíduo solitário e despojado, o ouro brilha e se insinua. Afastando-se da bidimensionalidade bizantina, Fra Angelico nos oferece um cenário com boa perspectiva e profundidade. Ao fundo do caminho, os símbolos da peregrinação pessoal do religioso.

Um céu azul, azul de brigadeiro, testemunha a superação do anacoreta a uma fraqueza por demais comum no Brasil, talvez com algum destaque para a capital. Por aqui, o “vil metal” tem comprado a consciência com imensa facilidade… E os montantes vão a pilhas e pilhas, caixas, maletas, cuecas recheadas, mensalões e remessas para paraísos fiscais. No maior país católico do mundo, ao que parece, aquele antigo santo não é muito popular. Os recentes censos informam que também o número de professos evangélicos tem crescido por aqui. Conquanto a fé evangélica repudie a mediação, intercessão ou o nominado “tesouro de méritos dos santos”, os evangélicos não farão mal se considerarem um pouco da ética do antigo Pai da Igreja neste particular. Simonia e escândalos financeiros têm revelado o quanto se aprofundou o emaranhado da “raiz de todos os males”, conforme a descreveu a pena apostólica.

(Obras consultadas: GONZALEZ, Justo L.. A Era dos Gigantes; Uma História Ilustrada do Cristianismo. Vol. 2. Primeira Edição. São Paulo: Vida Nova, 1980, 182p.; SANTO AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Editora Paulus, 1984, 446p.)