Amazing Grace! William Wilberforce e o movimento abolicionista
(Atenção: spoiler)
A abolição da escravatura trilhou um caminho mais longo do que comumente pensamos. A história começou na Inglaterra, muito antes da conhecida lei inglesa Bill Aberdeen (1845) ou da nossa Lei Áurea (1888).
A luta efetiva contra a escravatura iniciou-se com a junção dos esforços de um grupo de religiosos e defensores da dignidade humana aos esforços políticos de William Wilberforce (1759-1833), membro da Casa dos Comuns, no Parlamento britânico. Entre os religiosos que formavam este grupo estavam Thomas Clarkson, Olaudah Equiano (1745-1797, um negro sequestrado na Nigéria e vendido como escravo aos dez anos de idade; sofreu todos os infortúnios do tráfico e da escravidão; comprou sua liberdade aos trinta anos e os relatou em sua autobiografia, que muito influenciou o movimento abolicionista inglês) e Hannah Moore, entre outros.
Outro defensor ferrenho da abolição cuja história é digna de nota foi John Newton, clérigo da Igreja Anglicana que, antes de sua conversão, havia sido capitão de navios negreiros. Após seu navio atravessar uma grande tormenta, na qual ele acreditava todos pereceriam, em 1748 Newton converteu-se ao cristianismo, tornando-se um dos maiores defensores da abolição. As suas apaixonadas pregações em St. Mary Woolnoth, em Londres, conquistaram diversos simpatizantes, entre eles William Wilberforce.
O filme Amazing Grace (Inglaterra, EUA 2006), cujo título em português é Jornada pela Liberdade, narra a vida e a luta de Wilberforce pela abolição da escravatura.
O enfoque dado pelo diretor Michel Apted ao conflito entre a política e o desejo de servir a Deus, vivido por Wilberforce, deu um tom muito humano ao enredo. O filme não cai numa visão previsível e sentimentalista da realidade, porém mostra claramente a frustração vivida por Wilberforce até atingir seus objetivos. O primeiro projeto de lei para a abolição da escravatura proposto por Wilberforce foi apresentado em 1791. Apesar do apoio de William Pitt, Primeiro Ministro e amigo pessoal de Wilberforce, seus esforços no sentido de abolir a escravidão foram frustrados continuamente pelos interesses econômicos dos seus colegas de Parlamento.
Nessa fase de frustração, com a saúde abalada, Wilberforce conhece e se casa com Barbara Spooner, que compartilha de seus ideais e oferece o apoio que ele necessita para prosseguir a luta que culmina na aprovação da lei contra o tráfico de escravos, na Câmara dos Lordes, em 25 março de 1807. Wilberforce vive ainda tempo suficiente para ver a abolição em todo o Império Britânico ser aprovada no Parlamento no dia 26 de julho de 1833. Ele faleceu poucos dias depois, em 29 de julho de 1833.
À boa atuação do ator galês Ioan Gruffudd (William Wilberforce) junta-se também as de Albert Finney (John Newton), a de Benedict Cumberbatch (William Pitt) e a de Rufus Sewell (Thomas Clarkson). Finney interpreta o pastor anglicano John Newton, que escreveu o conhecido hino Amazing Grace. Newton foi mostrado no filme de maneira um pouco irreal, distante do homem culto que foi, assim como mentor espiritual e intelectual de Wilberforce.
O filme contém algumas leves incorreções históricas (como a que mostra Clarkson como alcoólatra ou o diálogo entre Wilberforce e Spooner, que durou uma noite inteira e se deu, conforme era habitual, sem nenhuma chaperon). Meticulosamente bem estruturado e narrado, o filme tem excelente reconstrução de figurino; e as cenas do bucólico interior da Inglaterra, bem como de Bath, com sua água sulfurosa, são muito realísticas, além de agradáveis. Em resenha oferecida pela revista Veja, um crítico brasileiro esposa a opinião, muito oportuna ao nosso contexto, de que “o que há de mais inteligente e atual em Jornada pela Liberdade é a defesa que o filme faz da política como uma arena não apenas possível, mas ideal, para o exercício da ética”.
Amazing Grace tem a sensibilidade de não exibir os horrores pelos quais os escravos eram submetidos. Em vez disso, numa decisão inteligente, o diretor deixa que os espectadores descubram isso da mesma maneira como o faria uma pessoa comum do século XIX: ouvindo testemunhos orais e, com a providencial ajuda de abolicionistas, visitando o “inferno flutuante” que era um navio negreiro vazio, ancorado no Tâmisa. A única sequência que mostra as condições dos escravos é um pesadelo de Wilberforce.
O filme foi vencedor do Christopher Awards, espécie de prêmio politicamente correto do cinema norte-americano, destinado a “reconhecer produções que reafirmam os mais elevados valores do espírito humano”.
Acerca de Wilberforce, o livro Cristianismo Verdadeiro; Discernindo a Fé Verdadeira da Falsa, Editora Palavra, 2006, pode ser de ajuda. Editado pelo teólogo James Houston, trata-se do manifesto de Wilberforce . As primeiras edições deste livro foram feitas em 1797, e a edição em português baseia-se na edição americana de 1829.