“Por uma vida cristã comum” – Michael Horton
Congregation Leaving the Reformed Church in Nuenen, 1884-1885, Vincent van Gogh (Dutch Post-Impressionist Painter, 1853-1890), Oil on canvas, 41.3 x 32.1 cm, Van Gogh Museum, Amsterdam, The Netherlands. Large size here.
Na igreja de hoje, gostamos de chamar atenção, erguer as expectativas e fazer apelos radicais, os quais a maioria das pessoas não consegue atender. Se formos sinceros, nem esperamos que elas o façam. Entendemos que algumas pessoas viajam em classe econômica enquanto outras viajam em executiva. Existem aqueles poucos dedicados que são guerreiros realmente cheios do Espírito, vitoriosos, ganhadores de almas e transformadores da sociedade. O resto é apenas simplesmente crente. Continuamos a frequentar a igreja com regularidade, recebendo as dádivas de Deus e as compartilhando, participando do louvor, comunhão e hospitalidade e continuando a sustentar o ministério financeiramente. Mas sabemos, bem no fundo, que não vamos mudar o mundo.
Nada disso é novidade, claro. O mesmo acontecia na igreja medieval. Tudo bem quando se era um leigo comum, mas todo mundo sabia que, se alguém quisesse caminho direto para uma experiência mais alta com Deus, era necessário ser sacerdote, monge ou freira. O casamento era bom, mas o celibato era visto como muito melhor. A comunhão ordinária na igreja da paróquia e os chamados no mundo eram ótimos, mas os que eram realmente dedicados faziam votos que os destacavam da turma cristã comum. Alguns escolhiam a vida monástica juntamente com outros colegas devotos. Outros ainda mais radicais tomavam um curso hermético de isolamento privado. Alguns tinham disciplinas espirituais como foco, enquanto outros — especialmente os franciscanos — se dedicavam a ajudar os pobres.
Nós, protestantes, temos nosso próprio modo de programar diversas aproximações “mais altas” da vida cristã. Claro, você pode ser membro da igreja local, mas se já experimentou o novo nascimento, vai pertencer ao cerne — à verdadeira igreja que se reúne em pequenos grupos. Frequentemente, esses eram chamados de “clubes santos” e “conventículos”.
Então veio o avivalismo, derrubando as estruturas externas que ajudaram a formar crentes individuais em uma pulsante comunhão dos santos. Você pode ter sido beneficiado pelas bênçãos pactuais de Deus no decorrer de muitos anos em uma família e igreja cristã. Mas, no acampamento de verão ou na conferência de avivamento, nada tem importância em comparação com a experiência radical da conversão. Novamente, não estou tentando desprezar o entusiasmo das experiências de conversão. Mas é possível que queiramos esperar testemunhos de cair o queixo ou experiências inusitadas, e, consequentemente, criemos um ambiente de perpétua novidade.
Você pode ter sido “salvo”, mas está “cheio do Espírito”? Talvez tenha sido batizado e orientado pelos pastores sob direção de Cristo numa igreja, aos poucos se unindo aos cânticos de Sião enquanto amadurecia, aprendendo a participar das orações de uma igreja e, eventualmente, da Mesa do Senhor. Talvez você tenha ouvido e orado as Escrituras com a sua família a cada dia, aprendendo em casa e na igreja as grandes verdades da Escritura por meio do catecismo. Porém, na cultura evangélica do novo e da novidade, nada disso conta. O que realmente importa é aquele evento espiritual extraordinário, aquela experiência transformadora de vida. Na verdade, o seu testemunho é capaz de ser considerado maior — mais autêntico — na mesma proporção em que sua experiência tenha acontecido sem nenhuma ligação com a vida corriqueira da igreja, como o batismo, a profissão de fé, a Ceia, as orações, louvor, lamentos e comunhão em comum no corpo de Cristo.
O problema é que, quando as pessoas passam a ser adultas, logo descobrem que uma experiência memorável não compensará um entendimento apenas superficial daquilo em que acreditam ou da razão pela qual acreditam — mais do que anos de exposição cotidiana e participação da comunhão de Cristo com o seu povo. No entanto, é precisamente o ministério corriqueiro, entra semana, sai semana, que oferece crescimento sustentável e estimula as raízes a crescer para o fundo. Se os grandes momentos de nossa vida cristã são produzidos pelos grandes movimentos no mundo evangélico, a igreja local ordinária parecerá bastante irrelevante. Contudo, se Deus é quem termina o que começou, a única conclusão razoável é fazer parte do jardim que ele cuida. Ele é Criador e cumpridor da promessa, até mesmo quando somos infiéis (2Tm 2.13).
DETAIL: Congregation Leaving the Reformed Church in Nuenen, 1884-1885, Vincent van Gogh (Dutch Post-Impressionist Painter, 1853-1890), Oil on canvas, 41.3 x 32.1 cm, Van Gogh Museum, Amsterdam, The Netherlands. Large size here.
[…] Até mesmo o Calvinismo parece ter voltado à sua rota antiga, tomando seu lugar na lista de “Próxima Grande Coisa”. Conforme diz a revista Time de março 2009, o “Novo Calvinismo” é uma das dez principais tendências a transformar o mundo de hoje. O título do livro de Collin Hansen, que define o movimento, resume isso muito bem: “Jovens, Inquietos e Reformados”.[1] Mas será que isso significa que esse movimento também está destinado a se tornar mais um modismo? A parte problemática está no “inquietos”. Isso ameaça dar nova definição ao que significa ser reformado. Os líderes talentosos formam os movimentos. Numa era digital, blogs frequentemente carregam mais autoridade do que sermões. Mas as igrejas formam as confissões que vivem nas trincheiras cavadas e habitadas pelo Espírito, por sua Palavra, em toda a terra e por todas as gerações. Fazer parte de uma igreja, mesmo em uma tradição mais ampla, não é o mesmo que aderir a um movimento. A autonomia pessoal tem de ser rendida a uma consciência comunal do Deus trino e de sua obra na história. Existe mais em ser reformado do que os “cinco pontos”.[2]
De muitas formas, é mais divertido fazer parte de movimentos do que de igrejas. Podemos expressar nossa própria individualidade, escolher nossos líderes favoritos e subir às alturas nas conferências. Podemos ser anônimos. Embora sejamos encorajados por crentes de pensamento semelhante ao nosso, não estamos presos a eles a ponto de nos sentir compelidos a carregar os seus fardos ou a aceitar a sua repreensão. Porém, essa mentalidade de movimentos nos mantém inquietos e faz parecer que a vida comum e a submissão a uma igreja local seja intoleravelmente confinadora. E terrivelmente corriqueira.
[HORTON, Michael. Simplesmente Crente; por uma vida cristã comum. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2016, prelo, passim. No texto citado, Horton remete ainda para as seguintes notas: 1. Collin Hansen, Young, Restless and Reformed: A Journalist’s Journey with the New Calvinists (Wheaton, IL: Crossway, 2008); 2. James K. A. Smith, Letters to a Young Calvinist: An Invitation to the Reformed Tradition (Grand Rapids: Brazos, 2010).]