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Lutero avista Roma – Ferdinand Pauwels

Luther sees Rome (Luther sieht Rom / Luther in Rom / Lutero avista Roma), 1872, Wilhelm Ferdinand Pauwels

Luther sees Rome (Luther sieht Rom / Luther in Rom / Lutero avista Roma), 1872, Wilhelm Ferdinand Pauwels (German Belgian-born Academic Painter, 1830-1904), oil on canvas, 85 x 72 cm, Wartburg Foundation (Wartburg-Stiftung), Eisenach, Germany.

Em 1510, sete mosteiros da ordem Agostiniana tiveram uma divergência com o seu vigário geral. Lutero foi escolhido para ir a Roma e defender a sua causa. Tornou-se urgente recorrer ao arbitramento de alguém importante; um cardeal romano talvez bastasse para resolver o litígio que surgira. Juntamente com outro monge, Lutero realizou uma viagem que  o marcou definitivamente. De fato, ele pensava que aquela seria a peregrinação espiritual mais importante de sua vida.  Ele recebeu dez florins de ouro para cuidar de suas necessidades. Para ir ao centro do poder e pensamento Católico, os dois monges viajaram a pé e encontraram alimentação e alojamento em mosteiros ao longo do caminho. Em Erfurt, Lutero ficava incomodado pela vida opulenta, pela moral frouxa e pela falta de interesse nas coisas espirituais entre os monges que os visitavam. No entanto, Lutero ainda nutria grandes expectativas para a própria Roma. Além disso, ele pensava que se prestasse suas homenagens nos “altares dos apóstolos” e se confessasse lá, “naquela santa cidade”, ele asseguraria o maior perdão possível. Considerava que essa seria uma forma segura de conquistar o favor de Deus. Quando avistou pela primeira vez o Capitólio papal, ele teria clamado: “Salve, santa Roma! Três vezes santa pelo sangue dos mártires derramado aqui!”. Estava, assim, tão extasiado como um peregrino judeu ao capturar seu primeiro vislumbre de Jerusalém.

DETAIL: Luther sees Rome (Luther sieht Rom / Luther in Rom / Lutero avista Roma), 1872, Wilhelm Ferdinand Pauwels

De fins de 1510 a princípios de 1511, Lutero permaneceu em Roma para tratar dos assuntos de sua ordem, e ali sentiu-se chocado com o secularismo da Igreja e o baixo nível moral da cidade. Ele tentou se imergir no fervor religioso de Roma, visitando, para tanto, os túmulos dos santos, realizando atos ritualísticos de penitência, etc. Mas logo ele percebeu uma alarmante inconsistência. Ao olhar ao redor para o Papa, os cardeais e os sacerdotes, ele não conseguia ver qualquer justiça. Pelo contrário, ele ficou perplexo com a corrupção, ganância e imoralidade. Chamou a sua atenção as maneiras do clero, cujos modos precipitados, superficiais e ímpios de celebrar a missa foram severamente por ele criticados. Horrorizou-se com as histórias que corriam sobre as indecências da família Bórgia (do Papa Alexandre VI, falecido em 1503) e de outros altos escalões da cúria papal. O historiador da igreja Philip Schaff salienta que o jovem Lutero “ouviu sobre os escabrosos crimes dos [Papas anteriores], desconhecidos na Alemanha, mas proclamados livremente como fatos indubitáveis na memória recente de todos os romanos”. Fora-lhe dito que “se havia um inferno, Roma fora construída sobre ele”, e que esse estado de coisas iria colapsar em breve. Assim, ao invés de encontrar a confirmação da fé na “Cidade Santa”, algo que reforçasse a sua crença, Lutero entendeu Roma como a revivência da antiga Babilônia, a “Grande Meretriz” dos textos proféticos bíblicos.

DETAIL: Luther sees Rome (Luther sieht Rom / Luther in Rom / Lutero avista Roma), 1872, Wilhelm Ferdinand Pauwels

Tão logo ajustou a disputa que havia motivado a sua viagem, Martinho Lutero retornou para Erfurt e depois, ainda em 1511, foi transferido definitivamente para Wittenberg, na baixa Saxônia. Passou novamente a morar no mosteiro agostiniano, a fim de se preparar para ser o professor de teologia na Universidade de Wittenberg, no lugar de Johann Von Staupitz, o superior da ordem. Von Staupitz firmou-se como mentor e conselheiro espiritual de Lutero, e será uma âncora para Lutero, durante as diversas crises pelas quais passará o reformador. Em Wittenberg Lutero lecionou Filosofia Moral, e onde, em 19 de outubro de 1512, aos vinte e nove anos, foi constituído doutor em teologia, sob os auspícios de Frederico III, da Saxônia, que frequentemente lhe ouvia pregar, e que estava familiarizado com o seu mérito, e que lhe reverenciava muito. Em Wittenberg, onde passaria o resto da vida, a consciência de Lutero não conseguia mais descanso – ainda mais depois de uma viagem tão marcante, em que tudo quanto encontrara foi falência espiritual. Crescera-lhe ainda mais o antigo dilema espiritual: se ele era injusto, apesar de seus melhores esforços, como ele poderia ser feito justo perante um Deus santo e justo?

A tela de Ferdinand Pauwels retrata Lutero e o outro monge diante de uma ampla paisagem da região do Lácio. Lá ao fundo, no plano inferior direito do cenário, emerge ainda minúsculo o capitólio romano. O segundo monge, encurvado, apoia-se em um bordão. Em saliente contraste, a despeito da longa viagem, o jovem monge Lutero encontra-se plenamente de pé. Seus olhos já avistaram Roma e agora erguem-se aos céus. Os lábios saúdam o antigo centro do mundo antigo e capital da Cristandade latina. Os braços se seguem estendidos: a mão esquerda transmite ao observador da cena a impressão de reconhecer uma graça recebida; a mão direita direciona-se à expressão material dessa graça, a saber, ao coração do catolicismo ocidental, cuja fé celebra a milenar cidade como a dos sepulcros dos apóstolos Pedro e Paulo e de inumeráveis outros cristãos.

Confira ainda: 1) O jovem Lutero canta diante da senhora Ursula Cotta em Eisenach – Ferdinand Pauwels, 2) Amigo de Lutero atingido por um raio – Ferdinand Pauwels, 3) A Entrada de Lutero no Mosteiro – Ferdinand Pauwels; 4) Lutero Descobre a Bíblia – Ferdinand Pauwels; 5) Martinho Lutero Descobrindo a Justificação pela Fé – Edward Matthew Ward e 6) Erasmo, Lutero e o “Livre Arbítrio”. Recomendo ainda a leitura de “Os 500 anos da Reforma Protestante, que abalou o mundo”, pela jornalista Míriam Leitão, aqui.